Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

>>Cuba, corte e costura
>>Os profissionais entram em campo

Cuba, corte e costura


Os jornais fizeram uma cirurgia na longa entrevista concedida pelo presidente Lula da Silva à agência Associated Press para extrair dali os dois parágrafos que compõem as manchetes desta quarta-feira.


Na longa entrevista, distribuída pela agência como parte do noticiário preparatório da visita de Lula ao Oriente Médio, o presidente declarou que parou de fumar após 50 anos de vício, falou da candidatura da ministra Dilma Rousseff à sua sucessão, encaixou comentários sobre o machismo no Brasil e discorreu longamente sobre as divergências com o governo dos Estados Unidos a respeito do Irã.


A opinião do presidente contra a greve de fome de presos políticos, externada ao estilo Lula, soa como mais uma contradição, porque ele mesmo lembra que, quando era líder sindical, fez greve de fome contra a ditadura militar.


A confusão aumenta porque os textos publicados nesta quarta pelos principais jornais brasileiros não reproduzem o contexto da entrevista.


O Estado de S.Paulo, que apresenta o tema em página inteira, comenta a morte do dissidente Orlando Zapata Tamayo, após greve de fome de 85 dias, ressalvando que foi o primeiro caso vitimando um dissidente político na ilha em 40 anos.


Da maneira como o assunto é abordado, o leitor fica com a impressão de que os opositores do regime cubano vivem trancados em masmorras, sob tortura, mas o Estadão publica foto, feita pela agência espanhola Efe, do dissidente Guillermo Fariñas, que está em greve de fome, em sua casa, desde o dia 24 de fevereiro.


Da mesma forma, a Folha de S.Paulo traz fotografia da agência Reuters do mesmo Fariñas, e entrevista feita por telefone, com oito perguntas e respostas longas e claras.


O próprio entrevistado comenta que passou o dia atendendo jornalistas em sua casa, o que pode dar a impressão de que se trata de uma ditadura muito desleixada.


Curiosamente, na mesma edição, a Folha afirma que não conseguiu localizar nenhum representante da revista Veja para comentar o escândalo que envolve a Bancoop, uma cooperativa de bancários dirigida por petistas.


A relação amistosa de Lula da Silva com Fidel Castro sempre foi criticada pela imprensa e segue merecendo uma análise mais esclarecedora, até porque o comportamento do presidente deve servir como exemplo de defesa da democracia.


Como sempre acontece quando aborda de passagem temas complexos, o presidente semeia confusão e dá margem a interpretações ambíguas.


Mas o recorte feito pelos jornais também não ajuda nada a entender o que se passa em Cuba. 


Os profissionais entram em campo


Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:


– É o fim de uma era. As empresas familiares de mídia estão abrindo o bico. No Brasil, isso começou na virada do século, mas sobreveio um freio de arrumação com a modificação no artigo 222 da Constituição Federal, que permitiu a participação de investidores estrangeiros em empresas de mídia nacionais, até o limite de 30% do capital. Todos os grandes grupos brasileiros de comunicação, originalmente formados como típicas empresas familiares, têm, aqui ou ali, em algum ponto do negócio, um braço estrangeiro na sua estrutura – ou por meio de investimento direto e apoio à gestão ou por intermédio de joint ventures formadas para negócios específicos.


Na sexta-feira passada foi anunciada, em Madri, mais um movimento nessa direção. O Grupo Prisa, fundado em 1972, que edita o prestigioso diário El País e hoje é o maior grupo de mídia do mundo em língua espanhola, associou-se à Liberty, uma holding financeira americana que deverá investir o equivalente a 660 milhões de euros na Prisa. Com esse aporte, a Liberty vai controlar 70% do grupo espanhol. No entanto, na engenharia legal e financeira produzida para consumar o negócio, ficou estabelecido que, mesmo com apenas 30% do controle, a família Polanco, fundadora e proprietária do El País, continuará dando as cartas na gestão do grupo.


Além do jornal, Prisa congrega empresas de TV, cadeias de rádio, internet e editora de livros. Gosta de apresentar-se como “o maior grupo de informação, educação, entretenimento e empresas digitais em espanhol e em português”. Fora da Espanha, tem presença forte em Portugal e na América hispânica. Foi justamente a expansão acelerada dos últimos anos que elevou a dívida do grupo a estratosféricos 5 bilhões de euros. Os novos sócios, porém, deixaram claro que “não têm intenção de mudar o rumo nem interferir nas decisões estratégicas que adotem os gestores”, isto é, os financistas entraram com o dinheiro mas deixaram as políticas editoriais na mão de quem entende do riscado.

Também está no radar dos patrocinadores dessa associação a possibilidade de negociar ações da Prisa na Bolsa de Nova York – o que significará maior pulverização de seu capital.

E as empresas brasileiras de mídia pensam na mesma direção? Eis aí uma boa pergunta.