Balanço da mídia 2010
Onde foi que a imprensa errou?
Termina, com este ano, o período de governo chefiado por um ex-operário, sindicalista que liderou a renovação das relações de trabalho no Brasil, contribuindo para recuperar a liberdade de associação interrompida pela ditadura, encerrando uma história de representações criadas sob a tutela do Estado Novo.
Luis Inácio Lula da Silva deixa o governo com uma popularidade histórica, jamais alcançada por qualquer outro governante brasileiro, que provavelmente não será superada tão cedo, com indicadores econômicos e sociais marcantes e um processo de inclusão do Brasil entre as nações líderes neste início de século.
Contraditoriamente, esse mesmo governante entra e sai da cena política sob críticas incessantes da imprensa tradicional.
Como todos os chefes de Estado, certamente cometeu erros e acertos e deixa muitas tarefas importantes por serem completadas, como algumas reformas reclamadas há décadas pela sociedade.
Mas dificilmente os pesquisadores irão encontrar, em outro período da História brasileira, tantas e tão profundas mudanças, que no entanto não parecem ser levadas em conta nas avaliações que a imprensa faz dele diariamente, numa indisfarçável e permanente manifestação de má vontade.
Quando surgiu para a cena política, o então sindicalista foi entrevistado por este observador da imprensa, então um jornalista iniciante. O ano de 1975 ia pela metade e ele havia acabado de assumir a presidência do sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo, Mauá e Diadema.
Era chamado de “Baianinho”.
Duas de suas respostas àquela entrevista foram marcantes: na primeira, ele afirmava que o Brasil somente poderia ser considerado um país sério quando um operário pudesse comprar o carro que ajudava a fabricar ou um apartamento no prédio que ajudava a construir. Na segunda resposta, dizia ser seu sonho ajudar os trabalhadores, organizados, a se tornarem protagonistas da política nacional.
Eram tempos duros, de uma ditadura renitente ainda convulsionada pela disputa interna entre os militares que defendiam a abertura do regime e aqueles que conspiravam para reduzir ainda mais as poucas liberdades públicas.
Passados 35 anos, o ex-metalúrgico contabiliza em sua biografia a construção de um sindicalismo forte o suficiente para servir de plataforma para a criação de um dos maiores partidos políticos nacionais e deixa o governo com o mérito de haver produzido, com um misto de políticas sociais inovadoras e estratégia econômica conservadora mas eficiente, um inédito e consistente fenômeno de mobilidade social.
Espancando a verdade
Uma consulta aos arquivos da própria imprensa revela que os jornais se esforçaram para que Lula da Silva não fosse eleito.
Empossado, os jornais apostaram no seu fracasso.
O Brasil se recuperava lentamente de uma sucessão de crises internacionais, o que revelava uma base frágil da economia como um todo, vulnerável até mesmo a sacolejos nas distantes e irrelevantes Indonésia ou Malásia.
Cerca de 2,5 milhões de brasileiros estavam sem emprego, o que representava 12,3% da população ativa sem remuneração assegurada. Mesmo com a mudança no sistema de cálculo – porque até então a base incluia pessoas com idades acima de 15 anos, e não de 18, como passou a ser considerado – o que se viu, a partir de 2003, foi uma redução constante e consistente do desemprego, além do crescimento da renda do trabalho.
A imprensa vive repetindo que Lula recebeu o Brasil em excelentes condições.
Não é verdade: os dados publicados pelos jornais no período informam que a inflação havia disparado em 2002, a tal ponto que o Conselho Monetário Nacional foi obrigado, em janeiro de 2003, a aumentar em mais de 100% a meta para aquele ano, de 4% para 8,5%, dada a impossibilidade de se obter uma convergência entre a inflação real e aquela que fora projetada no fim do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso.
Em 2002, a inflação real no Brasil havia evoluido de 7,62% em janeiro para 12,53% em dezembro, uma das mais altas do planeta.
Na verdade, era a quarta maior inflação entre as 37 economias mais importantes do mundo, com um crescimento pífio nos dez anos anteriores.
Os números desmentem manchetes, artigos e editoriais.
A chamada grande imprensa acumulou nesse período uma coleção de prognósticos equivocados.
A imprensa precisa ser crítica, mas deve sempre perseguir a verdade. Não para espancá-la, mas para se servir dela.