Enchentes no Sul
O Globo inaugura a politização da tragédia provocada pelo excesso de chuvas no Sul do Brasil, dando um jeito de colocar o presidente da República no meio do noticiário sobre as enchentes.
Os outros grandes jornais se concentram na cobertura dos sofrimentos da população, com o registro dos primeiros saques a supermercados.
A imprensa converge para o número mínimo de cem mortos e as edições de hoje finalmente superam o estilo fragmentado que vinha sendo adotado na organização das reportagens.
Nesta quarta-feira, pela primeira vez na semana, os jornais conseguem compor um retrato mais completo dos acontecimentos.
Trata-se, sem dúvida, da maior catástrofe ambiental já registrada na região.
Os relatos sobre a verdadeira dimensão do desastre devem estimular movimentos de solidariedade, por enquanto ainda ausentes da mídia.
A situação se torna mais crítica.
As três principais rodovias que servem a região Sul do Brasil estão interrompidas em vários pontos, e alguns dos danos, como a queda de pontes, vão exigir muito tempo para serem corrigidos.
Falta água, comida e remédio, e as dificuldades de transporte impedem a ação voluntária da população.
As autoridades sanitárias temem a ocorrência de surtos de doenças infecciosas.
Em muitas cidades, o poder público municipal está simplesmente paralisado.
Na mesma edição em que relatam o drama dos sulistas com o excesso de chuvas, os jornais reproduzem estudos da Universidade Federal de Minas Gerais e da Fundação Oswaldo Cruz, segundo os quais as mudanças climáticas vão agravar a situação da agricultura no Nordeste do Brasil.
Interessante observar que o noticiário sobre as mudanças climáticas está no primeiro caderno dos jornais, segregado na área científica ou na seção sobre meio ambiente.
Os relatos sobre a calamidade no Sul do Brasil enchem os cadernos de metrópoles e cotidiano.
A imprensa segue agindo como se uma coisa não tivesse nada a ver com a outra.
Um pouco mais de critério nas edições poderia contribuir para melhorar a consciência ambiental da sociedade.
O narrador protagonista
As enchentes e os desabamentos que ocorrem desde o começo da semana no Sul do Brasil estão marcando uma mudança no modo como a imprensa tradicional cobre esse tipo de catástrofe.
Pela primeira vez, as emissoras de televisão estão usando intensamente imagens feitas por cinegrafistas amadores como conteúdo principal de seus noticiosos.
Até mesmo a Rede Globo, que foi econômica no uso desse material no primeiro dia, acabou se rendendo à evidente qualidade jornalística das imagens enviadas por testemunhas dos acontecimentos.
Durante o dia de ontem, também as redações dos jornais se valeram das descrições feitas por leitores que moram nas regiões atingidas, muitos dos quais vivendo ao mesmo tempo o papel de protagonistas e narradores da tragédia.
Alguns cidadãos produzem ‘telejornais’ amadores imitando o estilo das grandes redes e postam seus filmes em blogs e em sites como o Empório de Vídeos.
O blog Poracaso, sediado em Jaraguá do Sul, uma das cidades mais atingidas em Santa Catarina, além de produzir uma cobertura mais intensa do que a das redes oficiais de TV, iniciou uma campanha de solidariedade e conseguiu em poucas horas, durante o dia de ontem, mobilizar dezenas de voluntários.
Os cidadãos-repórteres também ajudam autoridades a avaliar o risco de pontes e outros locais atingidos pelas águas.
Câmaras portáteis e aparelhos celulares permitem fazer imagens de qualidade suficiente para publicação na internet, mas alguns moradores conseguem produzir vídeos com qualidade para transmissão pela TV, oferecendo alternativas interessantes e variadas para os editores.
Em alguns casos, as imagens só podem ser captadas por quem mora ou estava passando pelo local, pois todo o Sul do Brasil tinha até ontem várias comunidades isoladas pelas enchentes.
Se a chamada grande imprensa relutou até aqui em assumir oficialmente uma relação de parceria com seus leitores e telespectadores, a tecnologia e os acontecimentos acabam de produzir uma mudança radical no modo de fazer jornalismo.
Pena que o tema inaugural tenha sido uma catástrofe.