Escolhas duvidosas
Como toda a imprensa internacional, os principais jornais brasileiros voltam suas atenções nesta sexta-feira para alguns acontecimentos que retratam o estado do mundo.
O principal destaque do Estado de S.Paulo e do Globo foi para a decisão do Conselho de Segurança da ONU estabelecendo limites para a produção e estocagem de armas nucleares.
Mas o encontro dos dirigentes dos vinte países mais desenvolvidos, em Pittsburg, nos Estados Unidos, perde espaço para notícias de Honduras, onde o presidente deposto Manuel Zelaya seguia, até então, refugiado na embaixada brasileira.
A despeito da importância das negociações em Pittsburg, onde ficou decidido que o G-20 vai substituir o G-8, formado pelos sete países mais ricos e a Rússia – o que coloca o Brasil na cúpula das nações que vão reorganizar a política econômica global –, a Folha e o Globo preferem dar destaque a declarações dos golpistas de Honduras ameaçando o Brasil.
Para quem acompanha com atenção os acontecimentos internacionais, pode parecer estranho que alguns jornais considerem mais importante a reação de um punhado de aventureiros num país centro-americano pouco expressivo do que a mais concreta manifestação das mudanças geopolíticas que afetam o mundo contemporâneo.
Além disso, há dois fatos relevantes sobre Honduras.
Um deles é a decisão dos líderes golpistas de aceitar um diálogo com o presidente deposto, o que aponta um caminho para o fim da crise e o acerto da comunidade internacional de não reconhecer o governo provisório.
Essa foi a notícia escolhida pelo Estadão.
Outro fato é um comunicado do governo interino de Honduras acusando o Brasil de haver apoiado a volta de Manuel Zelaya ao país e ameaçando responsabilizar o governo brasileiro por qualquer conseqüência do refúgio dado a Zelaya na embaixada em Tegucigalpa.
Inconfidência de um colunista da Folha dá a entender que a direção do Globo mandou seu enviado especial a Pittsburg dar mais atenção à declaração dos golpistas hondurenhos do que à reunião dos dirigentes do G-20.
Como resultado, temos a Folha e o Globo destacando na primeira página um simples bate-boca provocado por aventureiros do que uma decisão que altera o quadro do poder econômico no mundo.
Por essas e outras, a imprensa brasileira deixou há muito de ser fonte confiável para pesquisas acadêmicas.
Arrogância declarada
Alberto Dines:
– Alguns procedimentos da nossa grande imprensa são rigorosamente contraditórios. Na maioria das vezes os jornalões nacionais e regionais procuram alinhar-se e adotar procedimentos e posições assemelhadas.
Esta, digamos, sintonia passa uma impressão negativa, corporativa. Contradiz os postulados e os ideais do pluralismo e do contraditório, essenciais ao funcionamento da democracia. No entanto, quando um dos parceiros rompe o imobilismo e procura avançar, os demais veículos se retraem, não o acompanham. Sequer registram o feito que, embora individual, acaba estendendo-se à própria instituição jornalística.
É o caso da comemoração dos 20 anos da criação pela Folha de S. Paulo do cargo de “ombudsman”. O atual Ouvidor da Folha, Carlos Eduardo Lins e Silva e o próprio jornal lembraram a efeméride nesta semana e, por coerência, procuraram convertê-la numa oportunidade para ampliar o debate sobre a responsabilidade de informar e a busca da excelência jornalística.
Despeitados com a festa do outro jornal ou simplesmente contrariadas com esta concessão da Folha ao leitorado mais exigente, os competidores e a mídia em geral ignoraram o evento.
Assim, inadvertidamente, deram razão aos comentários do “ombudsman” da Folha, que considera a simples existência da função como um valioso antídoto à arrogância dos jornalistas.
Neste caso, ignorar o tranco na arrogância equivale a uma arrogância ainda maior. Mesmo reconhecendo que a maioria dos jornais brasileiros é contrária a qualquer tipo de cobrança, mesmo interna, o isolamento da Folha deixou clara uma divergência extremamente salutar.