Operação ‘abafa’
O noticiário de hoje sobre o caso do Banco Opportunity mais esconde do que revela, mas dá ao cidadão comum, leitor de jornais e revistas, uma idéia de como o Estado brasileiro pode estar contaminado pela corrupção.
Por mais justificativas que ofereça o comando da Polícia Federal, não há como convencer o mais ingênuo dos indivíduos de que os delegados encarregados da Operação Satiagraha foram afastados do caso pelas razões alegadas.
Por mais que se possa discutir o estilo de certas ações policiais, também não há talento capaz de justificar a pressa em alterar a legislação para tornar mais rigorosos os limites da atuação da Polícia Federal e do Ministério Público.
A propósito, ninguém se reuniu em Brasília para discutir o estilo da Polícia Militar, que continua matando inocentes por todo o Brasil.
O noticiário diz mais pelo que omite do que pelo que revela.
Não há como não fazer uma relação direta entre o afastamento dos delegados, a reunião entre o presidente Lula, o presidente do Supremo Tribunal Federal e o ministro da Justiça para discutir uma lei contra supostos abusos de autoridade e o caso que tem como epicentro o dono do Opportunity.
A confirmação de nomes de autoridades e parlamentares citados na investigação já vinha provocando comichões no Congresso, no Palácio do Planalto e em alguns endereços de ex-poderosos.
O aparecimento de registros de computador que estavam escondidos atrás de uma parede falsa no apartamento do banqueiro Daniel Dantas faz até o Judiciário temer a justiça.
A permanência dos acusados Humberto Brás e Hugo Chicaroni na prisão parece indicar os limites a que o sistema pode chegar: na iminência do escândalo maior, oferecem-se para o sacrifício dois personagens de menor relevância, para amenizar a indignação da sociedade com os sinais de que, mais uma vez, os chefes da máfia que se apropriou do Estado vão ficar livres.
Mas é pouco. Muito pouco.
Raras vezes na nossa história recente o aparelho policial e a Justiça chegaram tão perto de colocar a nu o núcleo da podridão institucional que atrasa o Brasil.
Se as instituições do Estado não são capazes de seguir adiante, cabe à imprensa apoiar o prosseguimento das investigações e contar a história completa à sociedade.
Empresários amigos do Estado
O noticiário dos últimos dias revela que o Estado brasileiro foi assaltado há muitos anos por uma quadrilha que se apropriou do patrimõnio público durante o processo das privatizações e que segue até hoje praticando um capitalismo sem riscos.
O que a imprensa publicou até aqui dá a entender que algumas das grandes fortunas que costumam ser incensadas pelo jornalismo de negócios foram construídas em cima de fraudes em licitações, evasão fiscal e roubo puro e simples.
Consideradas as revelações feitas pela Operação Satiagraha, cabe muito bem o questionamento feito pelo senador Aloísio Mercadante ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles: o que o BC estava fazendo enquanto o Banco Opportunity acumulava lucros com atividades ilegais?
Outra questão que merece mais atenção dos jornais: o que fazia a CVM, Comissão de Valores Mobiliários, enquanto se desenrolavam as fraudes denunciadas agora pela Polícia Federal?
O Brasil vem se destacando no cenário internacional pela pujança de sua economia, o processo de modernização da Bolsa de Valores atrai investidores internacionais e consolida um moderno mercado interno de ações.
O País conquistou recentemente o grau de investimento por parte de importantes agências de avaliação de riscos e consolida uma nova reputação como mercado confiável.
A revelação de que as fortunas de Daniel Dantas e de outros heróis do empreendedorismo nacional vicejam à sombra do Estado e à margem da lei revela que a iniciativa privada no Brasil é cheia de iniciativa, mas não é assim tão privada.
Boa hora para a imprensa fazer uma radiografia do capitalismo brasileiro, como fez o Jornal da Tarde há trinta anos, na célebre sére de Ruy Mesquita sobre o socialismo embutido no governo militar.
É hora de quebrar certos santos de pés de barro.