Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Clóvis Rossi


‘Não há muito a acrescentar ao que escreveu ontem Marcelo Coelho, com a acuidade habitual, a respeito do programa ‘Roda Viva’ com a participação de Luiz Inácio Lula da Silva. Lula falou muito e não disse nada, mas, assim mesmo, saiu no lucro pelo simples fato de ter falado muito e sem a truculência de algumas de suas falas de palanque.


Só acho importante acrescentar um detalhe que me parece relevante. O presidente decretou que não houve ‘mensalão’, hipótese que já foi repetida uma e outra vez por petistas menos graduados e passou batida pelos comentaristas em geral.


Se é verdade que não está provada a existência de um ‘mensalão’, trata-se de detalhe absolutamente irrelevante. O que está provado, comprovado e confessado é o pagamento a deputados. Se foi mensal, anual, semestral, em duas parcelas, três ou cinco, não tem a menor importância. O que conta é o fato de que o PTduto comprou deputados. Ponto.


Desviar a questão para a palavra ‘mensalão’ é fugir dos fatos, procurando demonstrar que, se Roberto Jefferson falou em ‘mensalão’ e não há ‘mensalão’ (ou não se provou ‘mensalão’), não há crime. Mentira. Falsificação dos fatos. Há compra de deputados, e é isso o que importa, não a periodicidade das compras.


No mais, o presidente passa a sensação de que caminha sobre terreno minado. Quando desmente alguma coisa, o faz timidamente, como se temesse que, amanhã ou depois, os fatos o desmintam.


Talvez por isso Lula é tortuoso, dá voltas e voltas em cada frase, diz uma coisa hoje e outra no dia seguinte ou dois meses depois.


Ou, posto de outra forma, raramente dá a sensação de que tem o pleno controle da situação e, principalmente, das informações sobre o seu governo e o que fazem ou deixam de fazer seus auxiliares (vide o vexame sobre a aftosa).


É uma das razões, talvez a principal, para o caráter igualmente errático da temperatura política.’



Marcelo Coelho


‘Mesmo frágil e vago, Lula nada perde ‘, copyright Folha de S. Paulo, 8/11/05


‘Programas como o ‘Roda Viva’ sempre enganam um pouco a gente. O entrevistado fala muito, passa para o assunto que bem entende, emociona-se, descontrai-se, fica subitamente enfático, e no fim ninguém se lembra direito qual a pergunta que tinha sido feita. A entrevista de Lula não foi exceção. Mesmo quando pressionado pelos jornalistas -Heródoto Barbeiro, o âncora do Jornal da Cultura, foi talvez o mais incômodo-, o presidente parecia à vontade e pode até ter transmitido a impressão de que se saiu bem no seu confronto com a imprensa.


Só que, analisando melhor, não foram poucas as vezes em que Lula deu respostas fracas aos jornalistas. Cobraram-lhe o fato de não conceder entrevistas coletivas com freqüência. Lula respondeu que faz discursos todo dia, está o tempo todo dando declarações, a ponto de às vezes ficar até cansado consigo mesmo… Como se pronunciar discursos num palanque fosse a mesma coisa que se expor às perguntas dos repórteres.


Lula negou a existência de caixa dois na campanha para a Presidência. Mas não tinha dito, em Paris, que isso era o que todo mundo fazia? Vangloriou-se de que em seu governo há três CPIs em funcionamento. Mas não é notório que o governo fez tudo para impedir a criação das CPIs? Afirma-se convicto: é totalmente improvável que o PL tenha dado dinheiro ao PT. Mas a acusação não era essa, e sim o contrário… Detalhe que se perde no vozerio geral.


Da febre aftosa -a que tinha sido debelada e que não foi- ao contrato do filho de Lula com a Telemar, passando por Roberto Jefferson e pelo sentido geral da história humana, a fala presidencial patinou pelos mais diversos assuntos, sendo quase sempre inconvincente. Quando a coisa apertava, vinha a resposta padrão: não se pode acusar sem provas, e a CPI vai investigar.


No fundo, esse modelo retórico de Lula frente às acusações tem semelhança com seu próprio estilo de governar. Trata-se, ao que tudo indica, de delegar poderes: ‘deixa que alguém cuida disso’. Lula não deu novos argumentos para quem quer apoiá-lo; mostrou-se, até, mais frágil e vago do que seria de esperar. O paradoxal é que sua credibilidade, apesar disso, não sai diminuída: sua mera disposição para se explicar tão longamente, sem mostrar irritação nem embaraço, já conta a seu favor.’



Tânia Monteiro


‘Presidente acha muito bom resultado da entrevista ‘, copyright O Estado de S. Paulo, 9/11/05


‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva dedicou parte da reunião de coordenação política de ontem para comemorar os resultados, que considerou ‘muito bons’, da entrevista ao Roda Viva. No Planalto, a avaliação é de que Lula respondeu bem às perguntas, apesar das ‘casca de banana’ e das várias réplicas.


Segundo interlocutores, Lula se sentiu aliviado, pois entende que o programa servirá para ‘reduzir a pressão’ para conceder novas entrevistas, além de levar a público a sua versão sobre a crise.


Lula foi informado dos ataques desferidos pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em reação a declarações feitas no Roda Viva, mas não reagiu. A resposta, segundo interlocutores, viria dos líderes aliados, mas com cautela. A ordem era não atrapalhar as votações da MP 258, que cria a Super Receita e precisa ser aprovada até 18 de novembro.


TROPEÇO


Durante cerimônia de entrega da medalha da Ordem do Mérito Cultural, ontem, Lula tropeçou no tapete do Salão Nobre do Palácio do Planalto. Deu um passo em falso, seguido de um momento de desequilíbrio, ao pegar a caixa com a comenda para repassar ao diretor da Fundação Darcy Ribeiro, Daniel Correa, que representava a família do antropólogo e educador, morto em 1997.


A cerimônia durou cerca de uma hora e, além de entregar as medalhas, Lula assistiu a duas apresentações. (Colaborou: Leonêncio Nossa)’



Dora Kramer


‘De ofício, um fingidor ‘, copyright O Estado de S. Paulo, 9/11/05


‘Lula não desencarnou do personagem de oposição a quem tudo é permitido, até o devaneio Não tem jeito: o presidente Luiz Inácio da Silva é vocacionado mesmo para o exercício da oposição, e exerce tão competentemente o seu ofício, que o faz contra si mesmo na condição de presidente da República.


Durante as quase duas horas de entrevista ao programa Roda Viva, segunda-feira à noite, Lula teve oportunidade de falar com franqueza, vestir traje completo de mandatário, tratar com maturidade a Nação e, aos três anos de governo, cumprir o papel que lhe cabe ainda por um ano e dois meses exibindo, no mínimo, conhecimento de causa e respeito pelo mundo em volta.


Preferiu, porém, tergiversar, tratar a todos como vassalos mentais de uma realidade moldada à sua conveniência política, mas totalmente distanciada do cenário visto e vivido pelo conjunto da sociedade e até por ele próprio.


Por exemplo, ao mais uma vez aventar a possibilidade de não se candidatar à reeleição, denota a intenção de fingir-se candidato inamovível, quando está apenas se precavendo para o caso de não vir a reunir condições políticas ideais de disputa e, num gesto de efeito, abrir mão de um segundo mandato que, nesta hipótese, saberá perdido.


Lula continua fazendo o mesmo jogo de impressões que sustentou sua trajetória do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo para a Presidência da República em menos de três décadas.


Manipula meias-verdades, maneja emoções – nisso encontrou em Duda Mendonça a parceria perfeita -, usa argumentos fundados naquele tipo de quase-lógica desprovida de fundamento quando submetida à luz da objetividade, sabe como ninguém valer-se de sua origem e ‘história’ para manobrar consciências pesadas desejosas de redenção.


Essa maneira de lidar com as coisas deu certo na oposição, mas de governantes se espera um mínimo de apreço aos fatos e de compromisso com a palavra dita.


Na entrevista de segunda-feira ao programa Roda Viva o presidente Lula outra vez frustrou a expectativa de que pudesse ter desencarnado do personagem a quem tudo é permitido – inclusive ignorar deliberadamente os fatos – pela força do símbolo.


Lula começou bem, fazendo da responsabilidade de um presidente da República a respeito de tudo o que se passa em seu governo uma profissão de fé. ‘Sabendo ou não sabendo das coisas, o presidente tem toda a responsabilidade’, disse, acendendo uma esperança dissolvida logo em seguida, quando expôs sua visão da amplitude dessa responsabilidade: ‘Tem de mandar apurar.’


Daí em diante, o presidente da República só fez desqualificar todo e qualquer resultado das investigações levadas a termo pelas CPIs, cujas existências, sem o menor resquício de cerimônia, assumiu como obra sua para estabelecer contraponto em relação à interdição de comissões de inquérito no governo anterior.


Justiça se faça, do ponto de vista do desempenho, Lula manteve a coerência: respondeu às questões não necessariamente em atendimento ao conteúdo das perguntas, mas conforme seu roteiro de interesse.


Quando foi pego de surpresa, não hesitou em entrar pelo terreno da incongruência total. Por exemplo: estava já se preparando para fazer pouco da gravidade dos pagamentos de caixa 2 assumidamente recebidos por Duda Mendonça quando Augusto Nunes lhe perguntou qual o motivo, então, de o publicitário ter tido seus contratos com o governo cancelados depois da confissão perante a CPI.


Lula ficou alguns segundos mudo, olhou de um lado, de outro e matou sua tese de repúdio a condenações sem provas cabais: ‘Não era possível continuar com uma pessoa a respeito da qual pairam suspeições.’


Da mesma forma mostrou-se coerentemente incongruente ao mudar sua concepção a respeito do uso de caixa 2, reconhecer que o PT cometeu ‘crime eleitoral’ e, ao mesmo tempo, insistir na ausência de provas a respeito do que quer que fosse ou de quem quer que seja enquanto citava o afastamento de mais de 50 pessoas envolvidas em denúncias como prova de que o governo toma providências.


José Dirceu será, na opinião dele, cassado, mas sem provas, apenas por obra e graça do desejo do Congresso de atender à demanda da opinião pública.


Dirceu, segundo Lula, seria ‘motivo de orgulho para qualquer país do mundo’, mas não o suficiente para merecer a presença do presidente no ato de despedida da Casa Civil.


Lula feriu a credibilidade da defesa da lisura dos companheiros ao incluir Waldomiro Diniz no rol dos injustiçados. Na versão do presidente, ‘nada ficou provado até hoje’ sobre aquelas imagens do então presidente da Loterj tentando receber um suborno de Carlos Cachoeira.


Para quem se manteve alheio aos malfeitos e os condena com veemência, o presidente se mostrou bastante familiarizado e à vontade para assumir todas as versões de defesa até agora apresentadas pelo PT. Da tese do crime eleitoral à nulidade de provas, passando pela negativa pura e simples de evidências mais inquestionáveis, e a manifestação de certezas em assuntos a respeito dos quais só pairam dúvidas.


O assassinato do prefeito Celso Daniel é um caso. O presidente não apenas externou a convicção sobre o crime comum, como permitiu-se adotar a insidiosa tática de criminalizar as relações do morto com seus irmãos.’



Carlos Marchi, Tânia Monteiro e Leonencio Nossa


‘Lula diz que caixa 2 é intolerável e prevê que Dirceu será cassado ‘, copyright O Estado de S. Paulo, 8/11/05


‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiu ontem, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, que o Congresso se sente obrigado a cassar o mandato do ex-ministro José Dirceu (PT-SP), mas ressalvou que não existem provas de que ele cometeu irregularidades. Lula desta vez condenou o uso de caixa 2: ‘O PT nunca poderia ter praticado coisas intoleráveis, como caixa 2.’


E manteve a posição de que não sabia de nada, criticando o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares: ‘Não poderia imaginar que o PT e o Delúbio iriam terceirizar as finanças do partido.’ Lula repetiu que o caixa 2 ‘é uma prática intolerável’ e insistiu que até agora não se provou a existência do mensalão.


Ele disse que o deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) foi cassado porque não provou o pagamento de mesadas. Afirmou que nunca disse que daria um ‘cheque em branco’ a Jefferson, insinuando que foi mal interpretado.


Disse que a denúncia de que o governo cubano teria financiado a sua campanha à Presidência é uma ‘história inverossímil’, porque Cuba ‘é muito miserável para emprestar dinheiro’.


E finalizou: ‘Mas tem de investigar.’ Quando foi confrontado com a hipótese de que o caixa 2 do PT contribuiu para a eleição dele em 2002, Lula ficou irritado e desconcertado.


Primeiro disse que ‘o grande imbróglio foram as eleições (municipais)de 2004’. Depois, opinou que ‘Delúbio e (o marqueteiro) Duda Mendonça vão prestar contas disso’.


‘Não posso responder por ele (Delúbio).’ Questionado sobre o recebimento de dinheiro no exterior por Duda, Lula quase gaguejou e acabou propondo: ‘Vamos aguardar o resultado da CPI. A CPI vai nos avisar a respeito.’ Ele explicou que a agência de Duda foi afastada da Secom porque não era possível ter lá alguém que estava sob suspeita.


O presidente terminou por defender o financiamento público de campanhas.


Sobre as denúncias de que o seu filho, Fábio, foi beneficiado com a venda de parte das ações de sua empresa para a Telemar, Lula disse que o filho, ‘ao mesmo tempo em que não tem privilégios, não pode ser impedido de fazer um negócio.’ Segundo o presidente, a empresa de Fábio está fazendo programas de televisão que têm um sucesso ‘extraordinário’.


AFTOSA


Ele não se fez de rogado quando foi cobrado de ter, da Europa, decretado o fim do surto de febre aftosa no mesmo dia em que surgiam três novos focos. ‘Tinha sido informado de que o primeiro foco foi debelado. Se surgiram novos focos, esse é outro problema’, disse. Lula afirmou que os juros vão baixar ‘daqui a pouco’.


Disse que o Brasil teve 22 anos de estagnação ou crescimento medíocre, mas que no momento vive uma conjugação de fatores muito favorável. O presidente reafirmou que o governo dele não obstruiu nenhuma CPI, diferentemente de governos anteriores, e pediu cautela e investigação profunda sobre todas as denúncias contra o governo, especialmente a de que o Banco do Brasil teria financiado o suposto mensalão. Rebateu a idéia de que fala pouco à imprensa: ‘Eu falo quase todos os dias.


Tem dia que me canso de mim mesmo.’ Em um dos intervalos do programa, enquanto conversava com os entrevistadores, Lula elogiou George W. Bush. Para ele, o presidente dos EUA é ‘um homem sem frescura’. E a principal razão para formar este juízo foi que Bush aceitou tudo o que Lula lhe ofereceu no churrasco de anteontem, na Granja do Torto.


‘Até uma costelinha’, teria dito Lula. Ele comparou Bush com o presidentes da Venezuela, Hugo Chávez, e de Cuba, Fidel Castro, com evidente vantagem para o americano. Chávez, contou, leva na comitiva a água que bebe, enquanto Fidel faz questão de provar tudo aos poucos antes de se deliciar com um bom almoço. O programa foi gravado na manhã de ontem, no Palácio do Planalto, e foi ao ar à noite. Foi a milésima edição do Roda Viva e a primeira entrevista dada por Lula ao programa, desde que tomou posse. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso falou ao Roda Viva quatro vezes ao longo de seu mandato.?’



***


‘‘Roda Viva’ recebeu 1.500 e-mails, 25% sobre corrupção ‘, copyright O Estado de S. Paulo, 8/11/05


‘Em pelo menos dois momentos, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva demonstrou incômodo durante a entrevista do programa Roda Viva. Ele não gostou das perguntas sobre o negócio milionário fechado por seu filho Fábio Luiz com a empresa Telemar e sobre o surto de febre aftosa, caso em que o governo é acusado de não ter feito trabalho preventivo.


No resto da entrevista, o presidente esteve bem à vontade. O apresentador do programa, Paulo Markun, disse que a entrevista foi o resultado de uma ‘batalha de seis meses’ com o Palácio do Planalto.


‘Torço para que ele tome gosto pela coisa e dê novas entrevistas’, afirmou. Markun informou que recebeu 1.500 e-mails com perguntas sugeridas por telespectadores. Deste total, 25% se referiam à corrupção e 20% à economia.


Foi a primeira entrevista de Lula ao programa como presidente da República. Fernando Henrique Cardoso concedeu quatro entrevistas ao Roda Viva, sendo três ao vivo e uma gravada. Como a residência oficial da Granja do Torto estava interditada na semana passada e o Palácio da Alvorada fechado para reformas, a entrevista de ontem teve de ser gravada, segundo Markun.’



Artur Xexéo


‘Lula no país das maravilhas’, copyright O Globo, 9/11/05


‘Ninguém pode dizer que não foi uma viagem exótica a que Bush fez ao Brasil. Para começar, comeu na Granja do Torto um churrasco de carne de Mato Grosso. Em seguida, foi posto diante de um mapa do Brasil. Mais exótico que isso, só se Bush tivesse ido acampar com os colegas de Washington em Adis-Abeba.


O mais surpreendente mesmo foi o tal mapa do Brasil diante de Bush. Parece que isso é um hábito de Lula. Ele já tinha feito o mesmo com autoridades chinesas que estiveram por aqui. Volta e meia, Lula pega um estrangeiro e mostra o mapa do Brasil para ele. Mas, diante do mapa, Bush fez a pergunta que aparentemente não quer calar: onde fica a Amazônia? É isso aí. O sujeito é o chefe da nação mais poderosa do mundo e não sabe onde fica a Amazônia. Para quem está insatisfeito com seu presidente da República, não deixa de ser um consolo. O toque de classe foi Lula apontar direitinho para Bush a localização que despertou a curiosidade do presidente americano. Em outras palavras: Lula sabe onde fica a Amazônia! Pelo que o seu governo faz pela região, nem parece.


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Está sendo, definitivamente, a temporada Lula. Depois do rega-bofe com Bush, nosso líder e senhor dignou-se a dar uma entrevista, mais ou menos coletiva, no programa ‘Roda viva’. Foi a primeira entrevista do presidente desde que começou a aparentemente interminável crise que afunda seu governo. Bem, teve aquela maracutaia em Paris, mas é melhor não se lembrar disso.


Passada a entrevista, fica uma constatação: é inacreditável que o presidente não tenha dado uma entrevista antes. Ele se sai muito bem nestas situações. É seguro, simpático, leva o assunto para onde lhe interessa, até parece mesmo um estadista preocupado com os rumos do país. O único problema de Lula – e talvez ele já tenha se dado conta disso e, por isso mesmo, prefira não se expor em entrevistas – é que, entre perguntas e respostas, ele acaba demonstrando que vive num país imaginário. Tal qual Alice, é o Lula no país das maravilhas. Fala de progressos que só ele vê, não acredita em denúncias cada vez mais evidentes, finge que apóia qualquer CPI e tira da cartola uma numerália que descreve um país que vai pra frente, irritando os espectadores que só vêem o país andando para trás.


É tanta fantasia no discurso de Lula que, no fim, ele fica com uma imagem meio ridícula. Pois ridícula é a única maneira de qualificar sua resposta quando o apresentador do programa, Paulo Markum, perguntou-lhe sobre o apoio milionário da Telemar aos negócios esquisitos de seu filho, Fábio Luís Lula da Silva. O presidente creditou o interesse da telefônica em participar do negócio do primeiro filho ao ‘extraordinário sucesso’ dos programas de televisão (?) que a empresa dele produz. ‘Têm mais audiência que a MTV’, orgulhou-se Lula pai. Vem cá, quem contou isso para o presidente? E ele acreditou? Me diz: é ou não é uma Alice?


Foi patética também a reação do presidente à pergunta de Heródoto Barbeiro sobre os comentários de que ele não gosta de trabalhar. Lula rebateu dizendo que trabalhou como operário durante 22 anos e que fazia hora extra aos sábados. Como se isso fosse o bastante para ele entrar no livro Guiness de Recordes. O desabafo foi para dizer que nunca trabalhou tanto como na Presidência da República. Cá entre nós, de alguma maneira ele tinha que compensar os longos períodos de descanso até finalmente ganhar uma eleição para o cargo que atualmente exerce.


Lula tem uma interpretação muito peculiar do que seja uma entrevista. Logo no início do programa foi cobrado dele o fato de ter passado tanto tempo sem conversar com a imprensa. Ele se mostrou surpreso. Afinal, tem dias em que faz até oito pronunciamentos. Que tal? Ele acha que basta isso. Que a população fica satisfeita com seus discursos. Que ninguém precisa lhe cobrar nada. Não interessa o que o povo quer lhe perguntar.


Enfim, Lula falou. E se mostrou mais ou menos como a gente imaginava que ele faria. Uma decepção.


Em todo caso, ponto para o ‘Roda viva’, que conseguiu convencer o presidente e comemorou com fanfarras a edição de seu milésimo programa.


***


Um pouco antes da entrevista de Lula, o país estava ligado na estréia de uma nova novela das oito. Desta vez, era de Sílvio de Abreu. Em outras palavras, uma novela com muita Claudia Raia, muito Tony Ramos e uma cantina italiana. Opa, não tem cantina italiana? Então, não é uma legítima novela de Sílvio de Abreu. Por enquanto, o autor mostrou seu prestígio reunindo um dos melhores elencos dos últimos tempos. Não é qualquer novela que pode se dar ao luxo de juntar num mesmo estúdio Fernanda Montenegro, Glória Pires e Claudia Abreu. E Pedro Paulo Rangel, Lima Duarte e Gianfrancesco Guarnieri. Não sei não, acho que, mais cedo ou mais tarde, vai aparecer uma cantina italiana. Nem que seja na Grécia.


***


Lição para se tirar dos últimos capítulos de ‘América’: quando a gente chega no inferno, encontra a Intrépida Trupe.’



Merval Pereira


‘Fatos e versões’, copyright O Globo, 9/11/05


‘O presidente Lula tem toda razão de não conceder entrevistas coletivas, especialmente as que, como a do ‘Roda Viva’ da TV Cultura, permitem o contraditório. A última entrevista que concedera no Palácio do Planalto teve como regra a proibição de réplicas, o que o deixou muito à vontade, quase que falando sozinho. Na segunda-feira, o ambiente estava muito cerimonioso, os jornalistas ficaram afastados do presidente, com uma separação psicológica e até mesmo física, com um tapete que dividia seu ambiente do dos entrevistadores.


Mas quando esses replicavam suas respostas, ficava claro que elas não correspondiam inteiramente à realidade. Como na letra de Cazuza, suas idéias não correspondem aos fatos. Como quando tentou negar que dinheiro do caixa dois tenha sido usado em sua campanha presidencial, e foi confrontado por Heródoto Barbeiro com o fato de que seus próprios aliados, como o presidente do PL Valdemar Costa Neto, haviam confessado. Lula foi ao ponto de perguntar a Heródoto ‘por que você acredita nele e não em mim?’, numa demonstração clara de que não tinha mais argumentos. Ou quando chegou a fazer um apelo a Augusto Nunes para que parasse de citar frases suas para confrontá-las com suas atitudes.


O presidente só foi poupado deliberadamente em poucos momentos da entrevista: quando Rodolfo Konder deixava de lado a crise política para filosofar sobre os caminhos da História, ou quando Matinas Suzuki introduziu o futebol na discussão, dando chance ao corintiano Lula de respirar um pouco. Houve momentos em que respostas vagas ou imprecisas do presidente Lula passaram sem contestação, como quando negou que tivesse declarado que daria um cheque em branco ao seu então aliado Roberto Jefferson.


De fato, nunca se ouviu da boca do presidente tal frase, mas Jefferson fez a declaração depois de um encontro com o presidente e demais líderes da base aliada, e o Palácio do Planalto não o desautorizou. Quando, no início do programa, Lula admitiu que o presidente é sempre responsável pelo que acontece no governo, mesmo que não saiba de nada, para em seguida dizer que o que cabe ao presidente ‘é mandar apurar’ as denúncias, não foi contestado. Ora, na política ou em uma empresa, ser responsável pelos atos praticados por seus subordinados implica assumir as conseqüências desses atos, e poder ser punido por eles.


O presidente Lula se coloca o tempo todo à parte dos acontecimentos, e chega a duvidar de fatos que já foram confessados por seus aliados. Assim, caixa dois em sua campanha cheira a ‘fantasia’; mensalão na Câmara é ‘folclore’. Traiu-se em determinado momento ao se referir ao ex-tesoureiro do PT como ‘nosso Delúbio’, a indicar o que todos já sabem: que Lula era o verdadeiro suporte de Delúbio dentro do PT. Mesmo assim, atribuiu a Delúbio todos os malfeitos petistas, assim como, parecendo estar defendendo José Dirceu, deu-lhe o tiro de misericórdia ao fazer uma análise política que culminou com a constatação – correta, aliás – de que a Câmara está ‘condenada’ a cassá-lo.


Se Lula está convencido de que não há qualquer prova contra Dirceu, por que o tirou do Palácio do Planalto em cima das acusações de Roberto Jefferson? E se de fato acha que sua cassação será exclusivamente por questões políticas, por que não orienta sua base aliada a defendê-lo na Comissão de Ética, onde foi derrotado quase por unanimidade?


Se ontem Lula tivesse se declarado esperançoso na absolvição de Dirceu, teria pelo menos dificultado a posição de deputados de sua base. Mas, aceitando como certa sua cassação e, mais que isso, compreendendo que essa decisão é a única resposta que os deputados podem dar à sociedade, Lula deu o sinal verde para a cassação de Dirceu. Ou o ‘beijo da morte’, como definiram líderes oposicionistas.


Ontem, a senadora Heloísa Helena disse no plenário do Senado que o presidente Lula ‘tem mel na boca e bílis no coração’, e que é capaz de dar um abraço, ao mesmo tempo em que apunhala pelas costas. Dirceu, Delúbio e Heloísa Helena conhecem Lula há muito tempo, saberão interpretar suas palavras melhor do que ninguém. A entrevista do ‘Roda Viva’ deu ainda um roteiro do que será a campanha de reeleição, embora Lula tenha insistido em que não se decidiu se concorrerá. E Gilberto Carvalho, seu chefe de gabinete, tem razão quando disse que a campanha da reeleição será ‘dolorosa’.


O presidente mostrou que não tem condições de enfrentar debates sobre questões delicadas como o contrato de seu filho com a Telemar ou a compra do AeroLula, dois casos que o tiraram do sério durante a entrevista. Se estiver bem colocado nas pesquisas, Lula poderá até evitar os debates. Mas não escapará dos programas de seus adversários, que colocarão no ar declarações e noticiário que desmentem suas versões.


Quando garantir que quer apurar tudo nas CPIs, bastará que mostrem as manobras dos petistas para tentar impedir a criação das CPIs – a dos Bingos fora engavetada e só saiu por decisão do Supremo – e depois, a tentativa dos petistas de desqualificar as testemunhas contrárias ao governo e as manobras para evitar convocações desagradáveis.


Na entrevista do ‘Roda Viva’, sempre que acuado pelos fatos, o presidente Lula alegava que as investigações ainda estão em curso, e o relatório final das CPIs ainda não saiu. E indo mais além na tentativa de ganhar tempo contra as denúncias, lembrava que o Ministério Público ainda tem que aceitar as denúncias, e o Supremo Tribunal Federal terá que julgá-las. Na campanha eleitoral, provavelmente algumas dessas etapas estarão concluídas, reduzindo a margem de manobra do presidente. Mas, por esse raciocínio, ele acabará chancelando a tese de que o Supremo Tribunal Federal absolveu o presidente cassado Fernando Collor.’



Miriam Leitão


‘O candidato’, copyright O Globo, 9/11/05


‘O presidente estava firme e demonstrando domínio dos muitos assuntos tratados na entrevista do ‘Roda Viva’. Por outro lado, ele fez uma manobra arriscada ao negar até o já sabido e constatado. Na economia teve razão em alguns pontos, não teve em outros, mas o presidente se comporta como se não tivesse mantido uma política econômica contra a qual travou luta sem trégua.


O presidente continua com uma desconcertante falta de noção do que é o trabalho da imprensa. Perguntado sobre por que não dá mais entrevista, ele disse que fala diariamente a ponto de ficar até cansado de si mesmo. Não é apenas ele que fica cansado, mas uma entrevista de qualidade – como a que concedeu – tem a vantagem do contraditório. É bem diferente dos monólogos acríticos e auto-elogiativos que ele tem feito.


Na economia, ele tem muito o que comemorar, mas não tanto quanto diz. Segundo o presidente ‘o país está crescendo nestes anos o que não cresceu nos últimos 22 anos’. Essa sua visão positiva não é confirmada pelos números. Os ex-presidentes José Sarney e Fernando Henrique tiveram nos três primeiros anos desempenho tão bom ou melhor do que o dos anos Lula. O problema no Brasil é a falta de constância. O país cresce e depois pára, para em seguida ter novo período de crescimento. A média das últimas duas décadas é puxada para baixo pelos anos Collor, o pior período da democracia. FHC teve fases de estagnação provocadas pelas crises externas e de energia, mas não chegou a ter recessão como a de Collor. Itamar Franco também teve um bom desempenho nos dois únicos anos em que governou o Brasil. Tomara que o país reencontre o crescimento sustentado que teve durante tantas décadas no século passado, mas é cedo para Lula se achar melhor que todos os outros dos últimos 20 anos, como tem dito.


O governo tem vários outros números a comemorar, e ontem mesmo a Standard & Poor’s, a mais conhecida agência de classificação de risco, elevou a perspectiva do Brasil para positiva. Está baseada numa série grande de bons indicadores. O economista Octaviano Canuto, do Banco Mundial, disse ontem que o Brasil tem alguns indicadores de país considerado bom investimento: nas contas externas, por exemplo. O desemprego tem caído nos últimos dois anos, voltando aos níveis que estava ao fim do governo Fernando Henrique. Mas Lula, ao falar de economia, entra em uma contradição insanável: tudo isso foi conseguido pela manutenção da política econômica que ele criticou e prometeu mudar. Ele se jacta dos resultados e esquece de dizer que mudou de idéia a respeito de como conduzir a economia.


O que ficou claro ao longo de toda a entrevista concedida pelo presidente ao ‘Roda Viva’ é que ele está em campanha. E mostrou musculatura para a campanha, exibindo um conhecimento em áreas as mais diversas de seu governo. Mostrou indignação em relação ao problema do avião, porque essa é uma questão que colou nele: o fato de viajar muito ao exterior e ter comprado para isso um avião novo. Ele tem bons argumentos na defesa da compra da aeronave, mas se não tivesse nenhum bastaria pronunciar o nome da antiga, usada tantas vezes por Fernando Henrique Cardoso: ‘sucatão’. Era de fato um risco enorme continuar viajando num avião tão antigo. Suas informações sobre o estado de conservação do Alvorada devem corresponder inteiramente à realidade; um imóvel antigo cheio de problemas estruturais. Mas se o ex-presidente Fernando Henrique tivesse chamado empresas privadas para consertar o palácio residencial, e comprasse um avião novo para viajar, certamente o PT proporia uma CPI, e o primeiro a esbravejar seria o próprio Lula. O problema não é se Lula tem ou não razão, é como ele explica para si mesmo mudanças tão radicais de avaliação, valores e convicções.


Na política, ele entrou em contradição várias vezes entre o que estava dizendo num bloco e o que dizia em outro bloco. Ele nega a existência de irregularidades, que em outra parte diz que ocorreram e isso é uma traição a ele e aos velhos duros tempos. A tese de que sozinho o ‘nosso’ Delúbio ‘terceirizou’ as finanças do partido é insustentável. A acusação de que o ‘dinheiro fácil’ é culpado leva a outra questão: Lula, que é do tempo da falta absoluta de recursos, não se deu conta de que o dinheiro ficara fácil demais? Aliás, a ninguém ocorreu perguntar ao ‘nosso’ Delúbio por que tudo ficara tão espantosamente fácil, a ponto de o partido se comprometer com gastos extravagantes como o jatinho mobilizado para a campanha eleitoral do deputado Luiz Eduardo Greenhalgh na busca de votos num colégio eleitoral de apenas 513 eleitores, ou fechar o Blue Tree, em Brasília, para reuniões partidárias.


Sua defesa da tese de que não houve mensalão não convence o eleitor médio. O mensalão, como se viu até agora, não é o pagamento de propinas em bases mensais, é a transferência de recursos sem origem definida a inúmeros integrantes da base parlamentar. E sobre isso há um acúmulo impressionante de provas, confissões e testemunhas.


A entrevista mostrou um presidente aguerrido, seguro, e com respostas para todas as perguntas. Sobre o dinheiro de Cuba, por exemplo, é bastante convincente o argumento do ‘miserê’ do país, e ele defendeu democracia para o país de Fidel. Mas na substância do que diz e de como apresenta seu governo há uma série de falhas e contradições. Será uma campanha e tanto.’



Zuenir Ventura


‘Falou o candidato’, copyright O Globo, 9/11/05


‘Lula pode até não saber, ou dizer que não sabe, mas não há dúvida de que ele já é candidato à reeleição em 2006, e foi como tal que se apresentou no programa ‘Roda Viva’. Deu sua primeira entrevista coletiva desde que está no governo e iniciou, sem anunciar, sua campanha para permanecer no poder. Nessa condição, não se pode afirmar que se saiu mal. Disse o que quis, da maneira que quis, sem compromisso com a coerência ou com a veracidade e sem se preocupar com as próprias contradições, desdizendo hoje o que afirmou ontem.


Durante quase duas horas, assistiu-se aos jornalistas fazendo perguntas ao presidente da República, mas quem respondia era o candidato, usando as licenças que o discurso eleitoral se dá. Nas questões mais embaraçosas, como as denúncias de corrupção no governo, ele desprezou o fato de que em vários casos já há indícios, provas testemunhais e evidências muito fortes para se refugiar na estratégia do ‘nada foi provado até agora’, ‘isso está sendo apurado pelas CPIs’, ‘não se deve condenar por antecipação’.


Mesmo quando pareceu adotar a autocrítica – ‘sabendo ou não sabendo, o presidente tem toda a responsabilidade’ – foi, em tese, para acrescentar que se deve sempre mandar apurar. Como ele fez. Mensalão? É folclore, nunca existiu, do mesmo modo que negou ter dito que daria um cheque em branco a Roberto Jefferson. Traição? Sim, mas novamente sem nomes: ‘Fui traído porque alguns companheiros…’


A novidade foi a condenação do caixa 2, que antes fora tida por ele como prática natural, feita ‘sistematicamente no Brasil’, e anteontem foi classificada de ‘intolerável’. Entre as curiosidades, o tema da compra do avião presidencial (introduzido por ele mesmo na entrevista), que o irritou mais até do que a história dos R$ 5 milhões investidos pela Telemar na empresa de seu filho. Como surpresa, a antecipação da condenação de José Dirceu. Lula o defendeu com veemência, mas afirmou sua certeza de que ele será cassado por razões políticas.


Por fim, a entrevista inaugural do candidato Lula deixou a impressão de que, ao insistir na negação, nessa espécie de não-credo em que declara não acreditar em praticamente nada do que tem sido denunciado, ele sobrecarrega as CPIs com uma responsabilidade pela qual serão muito cobradas. Ou se descobrem e se punem os culpados, ou o bordão ‘nada ficou provado, foi tudo denuncismo’, vai ser um forte argumento para a campanha eleitoral de Lula.’



Marcelo Salles


‘A Entrevista De Lula’, copyright FazendoMedia (www.fazendomedia.com), 9/11/05


‘Como não poderia deixar de ser, os jornalões repercutiram a entrevista concedida ao programa Roda Viva, edição 1.000, pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. Cada um a sua maneira e com interpretações próprias, que se refletem no espaço que destinam ao tema em suas páginas, na escolha das palavras, no conteúdo abordado e na edição realizada.


O Globo, por exemplo, reservou cerca de 40% de sua primeira página, com a manchete ‘Lula não cita quem o traiu mas agora acha caixa 2 intolerável’. Subtítulo: ‘Presidente diz que mensalão cheira a folclore e justifica empresa do filho’. O texto corria com um relato frio da entrevista. A Folha de S. Paulo usou 25% de sua capa, mas havia um tipo de fusão desta matéria com a foto do acidente que envolveu a comitiva presidencial. Sua manchete foi ‘Lula defende Dirceu e condena caixa 2’. O subtítulo: Em entrevista, presidente muda discurso e diz que prática do PT foi ‘intolerável’; sobre ex-ministro, diz que será cassado por ‘julgamento político’.


No Estado de S. Paulo também foram reservados cerca de 25% da primeira página, com o título ‘Lula crê na cassação de Dirceu e diz que caixa 2 é inaceitável’. O Jornal do Brasil saiu um pouco diferente, com ‘Lula diz o que pensa da crise pela primeira vez’, com o subtítulo ‘Em quase duas horas de entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, presidente evita identificar ‘traidores’, elogia Palocci e a política econômica, afirma que o PT se perdeu e tenta manter distância dos escândalos’. Todos os quatro jornalões levaram a entrevista do presidente para as manchetes.


A entrevista, em si, não foi ruim. Mas também não foi boa. Os entrevistadores, segundo informam os jornalões, até foram críticos e fizeram perguntas difíceis, tais como:


1) ‘O senhor não tem nenhuma responsabilidade pelos fatos que escandalizaram a nação?’ (Paulo Markun);


2) ‘É verdade que o senhor chorou quando o deputado Roberto Jefferson foi lhe denunciar o mensalão? e ‘Foi aquela a primeira vez que ouviu falar nisso?’ (Augusto Nunes);


3) ‘E se o PFL pedir o seu impeachment?’ (Heródoto Barbeiro);


4) ‘Por quem o senhor foi traído, como declarou?’ e ‘Por que o senhor tem evitado a imprensa?’ (Rosely Tardeli);


5) ‘E o cheque em branco que o senhor disse que daria a Roberto Jefferson?’ (Augusto Nunes);


6) ‘Se é tudo denuncismo vazio, como o senhor afirma, por que caiu o ministro Dirceu?’ (Rosely Tardeli);


7) ‘O senhor reconhece que foi eleito com dinheiro do caixa 2 do PT?’ (Heródoto Barbeiro);


8) ‘E de onde saiu o dinheiro que o Duda Mendonça diz ter precisado receber no exterior?’ (Augusto);


9) ‘Caixa 2 houve. A discussão é sobre o quanto, não é?’ (Heródoto Barbeiro);


10) ‘Se o senhor garante que ainda não decidiu se será candidato à reeleição, por que disse uma vez ‘eles vão ter que me engolir’?’ (Augusto Nunes);


11) ‘O senhor acha que a imprensa o está linchando? (Heródoto Barbeiro);


12) Sobre os R$ 5 milhões investidos pela Telemar numa firma do filho do presidente (Paulo Markum).


Acontece que estavam diante de um entrevistado plenamente acostumado ao debate e, mesmo quando os entrevistadores tentaram ser mais incisivos, Lula manteve o controle. Falou o que quis. Talvez por ‘jogar em casa’, mas certamente por saber do baixo nível de compreensão do povo brasileiro e que, em televisão, a imagem vale mais que o conteúdo (a julgar pelo fundo preparado com a bandeira do Brasil, parece que sua equipe aprendeu com a derrota para Collor naquele último debate, quando este possuía em sua mesa pastas verdes e amarelas).


De todo modo, achei que alguns temas ficaram faltando. Primeiro, confrontar a declaração oficial de que pela primeira vez o Brasil se preocupa com os pobres. Bastaria citar a divulgação do lucro recorde do Bradesco no terceiro trimestre deste ano, que foi de R$ 1,43 bilhão, com crescimento de 90% em relação ao mesmo período do ano passado, sendo que no acúmulo do ano esse lucro supera os R$ 4 bilhões. Outro tema que anda meio esquecido, e que poderia ter sido perguntado, é quanto à blindagem do Henrique Meirelles. Daí poderiam derivar questionamentos quanto à manutenção de técnicos ligados ao PSDB na máquina administrativa do Banco Central para, finalmente, tentar entrar na discussão dos detalhes dessa política econômica, que é onde tudo se decide.


A grande pergunta, entretanto, poderia ser quanto à relação do governo com a estrutura midiática brasileira. Não como foi perguntado, num superficialismo do tipo: ‘Ah, o senhor foge das entrevistas’, ou pequenas alfinetadas como ‘Com Fernando Henrique era mais fácil’. Não. Não estou falando em conseguir uma entrevista ou outra, ou então ficar discutindo se o presidente é ou não linchado pela mídia (até porque ele se refere à mídia paulista de papel, pois a que depende de concessão pública tem incomodado bem menos). Estou falando em discutir as comunicações no Brasil em profundidade, a saber da ingerência da Globo no governo, como isso acontece, a conhecer os detalhes técnicos das operações em telecomunicações e suas relações com a estratégia de desenvolvimento do país, fornecedores, homens de terceiro e segundo escalão, além dos posicionamentos do governo quanto aos softwares livres, TV Digital, rádios comunitárias, etc. Ou seja, ao não entrar no tema, os entrevistadores não acreditam que o oligopólio das comunicações no Brasil seja um tema jornalisticamente relevante.


De resto, é preciso ressaltar a complacência excessiva do presidente com o PSDB. Não se trata de pedir que ele seja irresponsável e faça acusações sem provas, mas então que não se manifeste, ainda mais sem ser solicitado, em defesa do partido que aprofundou o neoliberalismo no país com as privatizações até hoje inexplicadas. Ao que parece, o PT vai tentar conciliar ao máximo com a direita, mesmo debaixo de ataques cada vez mais contundentes. Em vez de responder à altura, escolheu baixar a cabeça e se agarrar o quanto puder à Globo, na esperança de conseguir um segundo mandato. A tática pode até se mostrar, com todo seu pragmatismo obtuso, vencedora para o partido. Mas o povo brasileiro sai perdendo, pois em nome de um poder futuro, o PT abre mão de esclarecer problemas históricos do país, como os arquivos da ditadura, o caso Banestado e as próprias privatizações, entre muitos outros.’



O Estado de S. Paulo


‘Um espanto de entrevista’, Editorial, copyright O Estado de S. Paulo, 9/11/05


‘A entrevista do presidente Lula ao programa Roda Viva,da TV Cultura, foi, como se sabe, gravada no Palácio do Planalto. Não menos gravado parece ter sido o seu pronunciamento, pouco depois, em um evento em Assis, no interior paulista. Foi como se ele compactasse o que há de ter considerado a essência de sua mensagem, na sabatina a que relutantemente aceitara se submeter, para marcar a milésima emissão do consagrado programa, e em Assis tivesse apenas o trabalho de apertar a tecla play do gravador – uma rotina que se repete discurso após discurso.


Não que as suas respostas aos entrevistadores já não fossem, elas mesmas, em boa medida, um replay dos bordões onipresentes em seus incessantes improvisos destinados a fazer praça de sua imaginária condição de mais operoso, compassivo e bem-sucedido governante brasileiro desde o tempo das capitanias hereditárias. E não fossem os bordões um misto de auto-endeusamento e de risonha e franca malversação dos fatos mais notórios. A começar da inverdade de negar que seja ‘da turma do eu me amo’, como declarou na TV, para provável espanto dos jornalistas.


Afirmações espantosas não faltaram nas respostas do presidente às cerca de 50 indagações e réplicas que ouviu nos 100 minutos do programa (descontados os intervalos), cujo apresentador e pelo menos dois dos outros participantes fustigaram-no com questões contundentes sobre as denúncias de corrupção que envolvem o PT e o governo. Espantoso, por exemplo, foi Lula dizer que, sim, é responsável ‘pelos fatos que escandalizam a Nação’, nas palavras do entrevistador, resumindo-se essa responsabilidade, porém, a ‘mandar apurar’ as acusações.


De espantar ainda mais foi o seu argumento para desmentir que evita a imprensa. Disse que fala diariamente – ‘tem dia que eu me canso de mim mesmo’ – e que as falas devem ser notícia! Peculiar, no mínimo, essa concepção segundo a qual a boa interlocução do governante com os governados, pela mídia, consiste em monologar, sem possibilidade de ser contraditado. E que dizer da mutante filosofia de Lula sobre o caixa 2? Há três meses, era apenas um pecadilho cometido ‘sistematicamente no Brasil’. Agora, é ‘intolerável’. Infelizmente, os entrevistadores deixaram passar o duplipensar presidencial.


Nessa matéria, aliás, o presidente tomou enorme distância da realidade tida, sabida e admitida pelos dirigentes petistas caídos em desgraça Delúbio Soares e Sílvio Pereira. Disse que lhe ‘cheira a fantasia’ que tenha havido caixa 2 na sua campanha (só nas eleições municipais de 2004), que não pode responder pelo que Duda Mendonça admitiu à CPI dos Correios (mas justificou a decisão de rescindir os contratos da administração direta com o ‘suspeito’) e confundiu deliberadamente dinheiro real do PT para o PL com dinheiro fictício do PL para o PT.


A tal ponto chegou a enrolação que um dos entrevistadores não se conteve e afirmou: ‘A discussão não é se houve ou não caixa 2. É quanto foi.’ Lula não se deu por achado, como não se daria, em outro bloco, quando um jornalista desmentiu, com fatos, a sua risível versão de que o governo jamais tentou impedir a criação da CPI dos Correios. Uma escapatória que o presidente buscou a todo momento foi a de declarar, magisterial, que não se pode condenar quem quer que seja sem provas – como se já não houvesse uma pilha de provas – inclusive flagrantes – contra os seus companheiros e como se o mesmo princípio não devesse impedi-lo de absolver de antemão os acusados, tudo reduzindo a ‘denuncismo vazio’.


Mensalão é ‘folclore’ desdenhou Lula. Fez pouco-caso da inteligência dos entrevistadores também quando falou que ainda não resolveu se concorrerá à reeleição, como se ignorassem que o substrato de todas as suas iniciativas políticas é precisamente o de mantê-lo no Planalto até 2010. Recorrendo a um velho truque de palanque, exaltou-se e qualificou com palavras duras a acusação – que jamais alguém lhe fez – de que comprara o ‘Aerolula’ como um bem particular. Significativamente, talvez, a esperteza o abandonou em um momento crítico.


Perguntado, já no final, sobre a denúncia dos dólares de Cuba para a sua campanha, não lhe ocorreu mostrar-se indignado com a mera idéia de que o PT e o seu amigo Fidel possam ter sido cúmplices numa ilegalidade capaz de levar à cassação do partido. Disse que não podia acreditar na história apenas e tão-somente porque conhece o ‘miserê’ em que vive Cuba.’



Folha de S. Paulo


‘A Entrevista De Lula’, Editorial, copyright Folha de S. Paulo, 9/11/05


‘A entrevista concedida pelo presidente Lula ao ‘Roda Viva’, da TV Cultura, não trouxe esclarecimentos definitivos sobre o escândalo de corrupção no governo e no PT, mas contribuiu para reforçar uma antiga reivindicação de diversos setores da opinião pública: a de que o presidente deveria submeter-se com mais freqüência à inquirição dos jornalistas. Até porque não lhe falta capacidade de tergiversar.


A estratégia de assumir a responsabilidade pela crise política -mesmo que afirme não ter conhecimento dos ilícitos praticados- mostrou-se até certo ponto eficiente para transmitir segurança e convicção nos rumos do governo. Para isso também contribuiu o formato do programa, em que a disputa dos entrevistadores pela palavra tende a beneficiar o entrevistado, facilitando a dispersão.


As diversas evasivas, contudo, não impediram que contradições viessem à tona. O presidente defendeu que um exemplo de transparência em seu governo é o fato de haver três CPIs em curso. Mas foi esse mesmo governo que travou batalha renhida para impedir a criação da CPI dos Correios. E, quando indagado a respeito dos resultados da apuração -os recursos do Banco do Brasil repassados ao PT por intermédio da Visanet e de Marcos Valério-, optou por desqualificar a evidência.


Lula mostrou-se também inconsistente ao condenar o uso de caixa dois como algo ‘intolerável’. Da primeira vez em que se pronunciou sobre o tema, limitou-se a tratá-lo como uma prática rotineira no meio político.


Apesar das reiteradas solicitações, Lula concedeu a primeira entrevista coletiva no Brasil dois anos e quatro meses após sua posse. Ainda assim, sob intenso auxílio dos assessores e com a condição de que não contestassem suas respostas.


Em que pesem os deslizes e os cuidados que cercaram o programa, a entrevista de anteontem mostrou que mais vale se expor aos riscos da controvérsia do que transmitir à sociedade a impressão de despreparo para se submeter a um mecanismo básico do jogo democrático.’



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‘Lula admite ter responsabilidade na crise’, copyright Folha de S. Paulo, 8/11/05


‘Contrariando o discurso governista, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva admitiu ontem, pela primeira vez, ter responsabilidade pela crise política que enfrenta. ‘Pelo bem ou pelo mal, não tem como o presidente da República dizer que não tem responsabilidade. Sabendo ou não sabendo, o presidente da República tem responsabilidade e tem que mandar apurar’, disse Lula.


O presidente foi entrevistado, por uma hora e 40 minutos, no programa ‘Roda Viva’. A entrevista foi gravada no início da tarde no Palácio do Planalto e marca os 19 anos e a milésima edição do programa da TV Cultura. Por conta disso, além do atual apresentador, Paulo Markun, a bancada de sabatinadores foi montada apenas com ex-apresentadores do programa -Augusto Nunes (colunista do ‘Jornal do Brasil’), Rodolfo Konder (diretor da universidade UniFMU), Matinas Suzuki Jr. (diretor da rede de jornais Bom Dia), Roseli Tardeli (diretora da agência de notícias da Aids) e Heródoto Barbeiro (editor-chefe e apresentador do Jornal da Cultura e âncora da CBN).


DIRCEU Embora afirmando que ‘politicamente, o Congresso está condenado a cassar’ o mandato do deputado José Dirceu (PT), Lula fez uma veemente defesa do ex-chefe da Casa Civil, chegando admitir que seria seu ‘advogado de defesa’. ‘Feliz o país que tem um político da magnitude do Zé Dirceu, que tem coragem e inteligência para fazer o enfrentamento’.


Na entrevista, gravada na tarde de ontem no Palácio do Planalto, Lula confirmou a versão de Dirceu de que o ministro pedira demissão ainda em 2004, com a explosão do escândalo Waldomiro Diniz. O presidente contou que, na época, alegara que o ministro não deveria sucumbir a cada crise. E que sugeriu que deixasse o palácio, para cuidar de sua defesa no Congresso, agora, em meio ao escândalo do mensalão, para que deixasse de ser ‘vidraça’.


‘Qual é a acusação que existe contra o Zé Dirceu?’, perguntou Lula, ao admitir que seria seu advogado de defesa. Para o presidente, ‘se for por causa das provas, até hoje não existem’.


TRAIÇÃO Lula também mudou o discurso ao condenar a prática de caixa dois no país. Em julho, numa viagem à França, o presidente disse: ‘O PT fez, do ponto de vista eleitoral, o que é feito no Brasil sistematicamente’. Ontem, se disse traído pelos petistas que cometeram o que chamou de ‘loucura’, ‘práticas equivocadas’.


‘Por que eu me sentia traído? Por que eu sei o que eu passei para criar esse partido. Eu sei o tanto que eu andei por esse país’, afirmou o presidente. ‘O dinheiro fácil nunca fez bem para ninguém na história da humanidade. Você tem meios legais para fazer finanças de campanha. Não posso admitir que companheiros, em nome da facilidade, da presunção, começassem a terceirizar campanha financeira de um partido. Por isso que eu acho que fui traído por todos os que fizeram essa prática condenada pelo PT e pela sociedade brasileira.’


MENSALÃO Lula, no entanto, foi categórico ao rechaçar a hipótese de mensalão no Congresso. ‘Tenho certeza que não teve essa barbaridade’, descartou o presidente, admitindo, no entanto, outros ilícitos ou corrupção. ‘O José Dirceu foi acusado por Roberto Jefferson de montar uma quadrilha para pagar o mensalão. Eu estou esperando que o Congresso Nacional dê o veredicto final, teve ou não teve o mensalão. Eu tenho certeza de que não teve.’


LÁGRIMAS Em tom irônico, o presidente negou a versão do ex-deputado Roberto Jefferson de que chorou ao ser informado de um suposto esquema de mensalão no Congresso. Lula lembrou que a conversa aconteceu durante um café-da-manhã, na presença do ministro de Turismo, Walfrido Mares Guia (PTB). ‘Não chorei, mas fiquei indignado porque essa história de mensalão no Congresso Nacional foi muito forte na época da reeleição e não foi provado.’


OPOSIÇÃO Ao longo da entrevista, o presidente fez duras críticas à oposição, afirmando nunca ter sido ‘tão irritado e tão nervoso’. Lula cobrou responsabilidade da oposição, sugerindo que investigasse melhor antes de fazer acusações. ‘É gente que deveria ter um pouco de mais cuidado ao falar’, disse Lula. E ironizou: ‘Acho hilariante o PFL tentar pedir o impeachment do presidente. Não posso levar a sério um pedido de impeachment. Com base no quê? Qual é a prova, qual é o delito? Possivelmente pelas coisas boas que estamos fazendo.’


CUBA O presidente disse que duvida da veracidade da denúncia de que sua campanha foi alimentada por dinheiro de Cuba, informação publicada em reportagem da revista ‘Veja’. ‘Não posso acreditar, não tem como, porque conheço o miserê que Cuba está vivendo, a pobreza de Cuba’, disse. ‘É o tipo da acusação que acho tão inverossímil… Quem falou? O morto. Ah, não dá, de coração, não posso acreditar que Cuba tenha dinheiro para dar para qualquer partido político.’


CELSO DANIEL Lula foi categórico ao negar que sua campanha tenha sido abastecida por caixa dois. Ele alegou que o ‘crime eleitoral cometido’, já reconhecido pelo ‘nosso Delúbio’, aconteceu na eleição de 2004 para as prefeituras. O presidente disse ainda que fica triste ao ouvir a versão de que o prefeito de Santo André Celso Daniel, morto em 2002, tenha sido vítima de um crime político. Segundo Lula, ‘é transformar vítima em algoz’. O presidente disse que conviveu por 25 anos com Celso Daniel e que a família do prefeito, hoje acusando o PT, não era tão ligada a ele.


FILHO O presidente respondeu aos que acusam seu filho Fábio Luiz de ter sido beneficiado, graças aos laços familiares, por um aporte de R$ 5 milhões, feito pela Telemar, na empresa da qual é sócio. ‘Você não acha que o filho do presidente, ao mesmo tempo em que não deve ter nenhum privilégio, também não deve ser proibido de seguir sua vida? Todos os contratos são regulares, todos. Nenhum é irregular. Não houve nenhum processo para esconder, até porque é um programa de televisão, aliás, são dois [programas de TV], e que estão tendo um sucesso extraordinário, estão tendo muito mais audiência que a MTV. Todo mundo sabe que a Telemar foi privatizada. Somente a investigação é que vai mostrar se é ilegal.’


VALDEMAR Lula chamou de ‘fantasiosa’ a versão do presidente do PL, o ex-deputado Valdemar Costa Neto (SP). ‘Vi o presidente do PL dizer, numa entrevista, num debate, que tinha recebido R$ 10 milhões do Delúbio para financiar minha campanha. Alguém acredita que se o Delúbio tivesse dez milhões para dar para ele, para financiar a campanha do PT, ia dar para o PL financiar, ou próprio Delúbio iria financiar?’, perguntou. ‘Acho improvável. Tenho certeza de que é improvável que o PL tenha dado dinheiro para a campanha presidencial. Acho mais provável que o Delúbio tenha feito a loucura…’


Sem alterar a voz, o presidente reviu outro conceito: disse que não há apenas denúncias vazias em curso, mas que ‘não dá para que o presidente da República fique fazendo política com o disse-que-disse’.’



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‘Entrevista eleva ibope, mas não atinge 4 pontos ‘, copyright Folha de S. Paulo, 8/11/05


‘O segundo bloco da entrevista do presidente Lula no ‘Roda Viva’ de ontem atingiu o pico de 3,1 pontos no Ibope. O programa tem uma audiência que varia entre 0,5 e 2,5 pontos de média no Ibope (cada ponto equivale a 52,3 mil domicílios na Grande São Paulo).


Neste ano, os entrevistados políticos tiveram uma média de 0,8 ponto. Roberto Jefferson (20/ 6) foi o recordista, com 2,1 de média e 2,9 de pico. O presidente da CPI dos Correios, Delcídio Amaral, teve 1,4 ponto com pico de 2,3; o ex-presidente do PT José Genoino, 1,7 ponto com 2,4 e o ex-ministro José Dirceu, 1 ponto com pico de 1,6.


O ex-presidente Fernando Henrique foi entrevistado em 1996, 1999 e 2002. Em 99, teve 2 pontos de média.’



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‘Presidente só deu primeira coletiva após dois anos ‘, copyright Folha de S. Paulo, 8/11/05


‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva só concedeu sua primeira entrevista coletiva no Brasil em 29 de abril deste ano, quase dois anos e quatro meses após sua posse. Ainda assim, a coletiva só saiu com a condição de que os jornalistas não tivessem o direito de contestar suas respostas. Lula foi exaustivamente preparado por seus ministros e por Duda Mendonça.


Até então, Lula só tinha concedido coletivas no exterior: Davos (Suíça), Cusco (Peru), Evian (França), Caracas (Venezuela), Xangai (China). Conversou ainda com colunistas de jornais (mas proibiu o uso de gravadores), radialistas e alguns veículos (BBC, TV Bandeirantes). Em meio à crise, concedeu entrevista a uma jornalista brasileira na França.


Seu comportamento refratário à imprensa se acentuou em maio de 2004, quando o governo cancelou o visto do jornalista Larry Rohter, do ‘New York Times’. A Justiça derrubou a medida. Pouco depois, em agosto, Lula encaminhou ao Congresso um projeto que criava o Conselho Federal de Jornalismo, com poderes para ‘orientar, disciplinar e fiscalizar’ o exercício da profissão, podendo punir jornalistas. A Câmara rejeitou o projeto.’



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‘‘Reeleição não mexe com minha cabeça’ ‘, copyright Folha de S. Paulo, 8/11/05


‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem que sua eventual candidatura à reeleição dependerá da certeza de ter um segundo mandato melhor do que o primeiro e da capacidade de fazer alianças políticas que garantam uma maioria concreta no Congresso Nacional.


Lula afirmou que historicamente o PT sempre se opôs ao instituto da reeleição. ‘Eu olho com muito carinho [a possibilidade de reeleição]. Mas não tenho que tomar uma decisão agora. Tenho de esperar chegar janeiro, fevereiro ou março para dizer se vou ser candidato ou não’, afirmou.


Uma das preocupações reveladas por Lula é fugir da ‘maldição’ do segundo mandato, que pode se revelar pior e mais problemático do que o primeiro. ‘Você não pode ser candidato e acontecer o que aconteceu com o presidente Fernando Henrique Cardoso, que poderia ter terminado seu primeiro mandato bem, mas terminou o segundo mandato sufocado. Ou como o próprio presidente [americano] Bush, que está vivendo agora seu segundo mandato’. Lula voltou a repetir que a possibilidade de reeleição não mexe com a sua cabeça e não considera a reeleição é um bom instituto: ‘Mas vou pensar nisso com carinho’.


Sobre qual tucano seria o adversário ideal na disputa, o governador Geraldo Alckmin ou o prefeito José Serra, disse que não poderia responder porque não decidiu se será candidato. ‘Isso seria uma renúncia branca?’, questionou um dos entrevistadores. ‘Pelo contrário. Como é possível dizer que alguém que não se candidata está renunciando se eu, em tese, sempre fui contra a reeleição?’


EMPREGOS O presidente afirmou que provavelmente terminará seu primeiro mandato sem cumprir a meta de novos 10 milhões empregos fixada em seu programa de governo. ‘Não sei se vamos chegar [aos 10 milhões de empregos], mas vamos chegar ao máximo do que foi criado nesses últimos 22 anos’, disse Lula. O presidente acrescentou que, em seus 34 meses de governo, criou 3,57 milhões de novos empregos com carteira.


‘Nós, nesses três anos, estamos crescendo aquilo que o Brasil não cresceu nos últimos 20 anos […]. Tivemos 22 anos de estagnação ou crescimento medíocre’, disse.


JUROS


Durante a entrevista no ‘Roda Viva’, o presidente reagiu a críticas sobre a taxa de juros aplicada no Brasil, uma das mais altas do mundo, e disse que os juros estão caindo: ‘Pouco, mas já caiu’. A fala de Lula foi interrompida por um dos entrevistados, que disse que ainda era ‘bem pouco’. ‘Mas vai cair’, respondeu o presidente.


‘No Brasil, sempre tivemos a experiência da mágica. Era raro um ministro da Economia que não resolvesse inventar uma moda. Vem Plano Verão, Plano Bresser, Plano Collor e vai inventando. Meses depois não dá certo e a sociedade vai ficando com prejuízo atrás de prejuízo. Estamos dizendo à sociedade brasileira que não tem mágica, tem seriedade, tem regras muito claras’, declarou.


AFTOSA


Sobre a febre aftosa que atingiu o rebanho bovino em Mato Grosso do Sul, Lula afirmou que não faltaram investimentos do governo federal. Afirmou que tem feito um trabalho junto a países europeus para convencê-los a não parar o consumo de carne brasileira. Disse que, para evitar novos problemas, decidiu ‘castigar’ alguns produtores. ‘O cidadão que não vacinou [o rebanho] tem de passar algum tempo de castigo, sem financiamento público.’


HERZOG


Lula lembrou que, quando concedeu a primeira entrevista para a TV Cultura, há 30 anos, o diretor de Jornalismo era Vladimir Herzog, morto durante o regime militar. Ele se penitenciou por não ter participado neste ano das homenagens ao jornalista e culpou a rotina do cargo. ‘O dia-a-dia do governo não permitiu [uma participação maior nas homenagens a Herzog]. Mas pedi à ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, que é ex-presa política, que fosse ao ato de homenagem a Vladimir Herzog, para representar o governo.’


Lula afirmou que recomendou à ministra uma maior celeridade na abertura de documentos secretos do período militar às famílias de ex-presos políticos desaparecidos ou de anistiados. O Exército diz já ter queimado os papéis ou não saber onde se encontram.


PLEBISCITO


A derrota da campanha do Sim, que defendia a proibição do comércio de armas no Brasil, afirmou Lula, não pode ser atribuída ao governo federal. ‘Alguns, de forma muito rápida, tentaram jogar uma derrota do governo, mas o plebiscito foi uma coisa proposta pela Câmara dos Deputados e pelo Congresso Nacional, tanto que foi coordenado por duas comissões do Congresso que quiseram ser mais realistas do que o rei e colocar um plebiscito para saber se o povo queria ou não que pudesse comprar armas’.’



CRISE POLÍTICA


Carlos Heitor Cony


‘Os vilões de cada dia ‘, copyright Folha de S. Paulo, 9/11/05


‘A crise política que atravessamos está confirmando aquela sovada frase segundo a qual cada um pode, na aldeia global, ser famoso por 15 minutos. Bem verdade que a fama nem sempre equivale a uma glória ou a um heroísmo cívico ou pessoal. Não fui eu quem inventou a palavra ‘fama’ -aliás, não inventei palavra alguma: ela pode gerar o famoso e o famigerado, o que nem sempre dá na mesma.


É espantosa a velocidade com que famosos e famigerados surgem e desaparecem. Basta um exemplo: Roberto Jefferson. Foi ele quem deu o ‘fiat’, o pontapé inicial para a sucessão de escândalos que crescem dia após dia.


Hoje, para citá-lo, é necessário recorrer ao banco de dados, aos arquivos, aos departamentos de pesquisa, ao Google, à biblioteca do Congresso, em Washington, ou à Torre do Tombo, em Lisboa, que guarda alguns dos documentos mais importantes de nossa história.


Se a citação for em livro, exigirá uma nota de pé de página para explicar ao leitor de quem se trata.


Diz o Evangelho que, a cada dia, bastam as suas preocupações. Deveria ter dito: a cada dia, basta o seu vilão, que, obviamente, seria o vilão do dia. No princípio, houve uma espécie de hierarquia, de alto e de baixo clero, no desfile dos vilões produzidos pelos inquéritos oficiais e investigações avulsas. Surgiram casos periféricos, como o da morte do prefeito de Santo André e as suspeitas contra o ex-prefeito de Ribeirão Preto, que congestionaram mais ainda a passarela da fama.


Outro dia, num programa de TV, um sujeito confundiu Delúbio com Delcídio. Isso sem falar nos vilões ‘hors concours’ (Fidel, Chávez, Bush) e em outros que estão em recesso provisório, aguardando a vez para desfilar.


Nisso tudo, quem fica bem é o Paulo Maluf. Faça o que fizer, será sempre um vilão para a mídia. Foi vilão enquanto esteve preso e foi vilão maior quando tomou um chope em Campos do Jordão.’



LULA & PIRATARIA


Laura Mattos


‘Para Sony, Lula viu pirata de ‘2 Filhos’ ‘, copyright Folha de S. Paulo, 9/11/05


‘O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assistiu a ‘2 Filhos de Francisco’, indicado do Brasil para concorrer a uma vaga no Oscar, em cópia pirata de DVD. A constatação é da Sony Pictures, distribuidora do filme sobre Zezé Di Camargo e Luciano.


A sessão teria ocorrido no ‘aerolula’, o avião presidencial, em viagem da comitiva brasileira a Moscou, em outubro. O DVD original só chegará às lojas em 7 de dezembro, mas a Sony calcula que pelo menos 500 mil piratas já tenham sido vendidos, recorde no país.


‘Recebemos a informação de que o presidente assistiu ao filme em DVD e averiguamos que não houve de nossa parte envio de cópias. Ele não devia saber, mas só pode ser pirata’, afirmou Wilson Cabral Braga, diretor-geral de vídeo da Sony, ontem, em lançamento do DVD para a imprensa.


O ministro Gilberto Gil (Cultura) e o secretário do audiovisual, Orlando Senna, que tiveram acesso a cópias originais, dizem não ter enviado ao presidente. Procurada pela Folha, a assessoria de imprensa do Palácio do Planalto não havia dado resposta até o fechamento desta edição.


Pirataria é crime, e o comprador também pode receber penas que variam de multa a detenção. A Sony acredita que um original do filme tenha sido desviada do laboratório ou da produtora, já que as cópias têm boa qualidade.’