O silêncio que grita
Faz exatamente uma semana, nesta terça-feira, que o desembargador aposentado Walter Fanganiello Maierovitch, que já foi titular da Secretaria Nacional Antidrogas, publicou artigo na revista Carta Capital questionando a procuradora eleitoral Sandra Cureau sobre o episódio narrado pela Folha de S.Paulo na semana anterior à eleição em primeiro turno, informando sobre um telefonema do ex-governador José Serra ao ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes.
Aparentemente, a procuradora se satisfez com as respostas dos dois personagens, quando ambos negaram a ocorrência do telefonema.
Acontece que a Folha de S.Paulo voltou ao tema, através de sua ombudsman, que reafirmou aquilo que fora publicado no dia 30 de setembro.
Mas nenhum outro jornal entre a chamada grande imprensa deu repercussão ao episódio.
Em seu artigo, Maierovitch questiona a procuradora eleitoral, que em outras ocasiões se mostrou muito mais incisiva na defesa da lisura da disputa eleitoral e da independência entre os poderes.
Ela colocou em dúvida, por exemplo, a isenção da Carta Capital, ao exigir explicações sobre o volume de publicidade do governo federal veiculada na revista.
No caso do telefonema controverso, nenhum sinal de preocupação por parte da senhora Cureau.
Apesar de a imprensa tradicional guardar um pesado silêncio, a questão ainda movimenta opiniões acaloradas na internet, o que não favorece a reputação da imprensa nem a do Judiciário.
Questiona-se por que a procuradora eleitoral Sandra Cureau não se manifestou, entendeu como normal e insuspeito que um candidato telefone para um ministro do Supremo Tribunal Federal no momento em que este participa de votação de questão que interessa diretamente ao interlocutor.
Como lembra o jurista Maierovitch, bastava pedir à empresa de telefonia a lista das ligações dos dois personagens naquele dia para demonstrar que nada aconteceu e eliminar as intrigas.
O episódio inspira algumas reflexões preocupantes.
A primeira é mais uma demonstração de que, para a imprensa tradicional, há dois pesos e duas medidas em tudo que se refere à campanha eleitoral.
Em segundo lugar, e ainda mais grave, parece estar se consolidando um processo de transferência da disputa política para importantes instâncias do Judiciário, o que, se confirmado, representa grave risco para a nossa democracia.
Jogo perigoso no Judiciário
O silêncio dos principais veículos de comunicação e da Procuradoria-Geral Eleitoral está provocando bastante ruído em outras esferas.
É claro que a militância do Partido dos Trabalhadores tem interesse em manter o tema em evidência, mas seria de interesse geral que, em vez da omissão, fosse dada uma resposta esclarecedora.
Se houve ou não o telefonema, e, caso tenha havido, que relevância teria.
Em meio ao silêncio geral, progridem as teorias da conspiração e atacam-se as reputações.
Segundo o jornal Correio do Brasil, que tem onze anos de existência e circula na Internet, o episódio do telefonema produziu uma denúncia, encaminhada por um grupo de Organizações Não-Governamentais, ao Alto Comissariado da ONU, tendo sido recebida pela relatora especial para questões de independência do Judiciário, a brasileira Gabriela Carina de Albuquerque e Silva.
A relatora foi assessora do ministro Gilmar Mendes quando ele era presidente do Conselho Nacional de Justiça, informa a publicação.
Ainda que se considere o Correio do Brasil um veículo comprometido ideologicamente com o PT, deve-se levar em conta a possibilidade de a denúncia ser acatada, o que pode produzir uma crise no Judiciário.
Os sinais de um processo de politização do Poder Judiciário, com reflexos inquietantes na Suprema Corte, não deveriam ser ignorados pela imprensa de influência nacional.
Essa mesma imprensa que, carregada de razão, acende o sinal amarelo quando o presidente da República, ainda que retoricamente, ultrapassa os limites entre os poderes, deveria contribuir para manter a independência entre eles.
Sob qualquer ponto de vista, um processo de partidarização do Judiciário representa uma ameaça muito mais concreta à democracia do que eventuais excessos discursivos de um presidente da República.
Que alguns jornais e revistas tenham seu candidato predileto, é fato lamentável mas devidamente absorvido pela sociedade e de menor relevância, na medida em que esses veículos perdem reputação porque trocam o bom jornalismo pelo partidarismo.
O que não se pode admitir é que esse jogo sujo contamine as instituições da República.
Observatório na TV
A imprensa não está se saindo bem nestas eleições. Além da virulência com que vem sendo colocada a questão do aborto temos agora um caso de autocensura ou automutilação no Estadão com o afastamento de uma colaboradora, a psicanalista Maria Rita Kehl, do seu segundo caderno. Por razões políticas evidentemente. Não é o primeiro caso e não será o último. O episódio só foi explorado na internet, pelo semanário Carta Capital, e será o assunto da edição de hoje do ‘Observatório da Imprensa’ na TV-Brasil. Às 22 horas, em rede nacional, ao vivo. Em S. Paulo, no Canal 4 da Net e 181 da TVA