Um novo olhar sobre a economia
A edição desta semana da revista Época deve ser guardada como um exemplar histórico: pela primeira vez, um veículo da chamada grande imprensa brasileira aborda a questão do valor econômico da biodiversidade, sem condicionantes, tratando-a como eixo principal de uma mudança no modelo econômico vigente.
Alguns jornais e outras revistas, como a Carta Capital, chegaram a tratar do assunto, em edições especiais.
Mas Carta Capital trafega em pista paralela à da imprensa predominante, que é uniformemente conservadora e fiel a uma matriz ideológica homogênea – tem um acordo editorial com a agência Envolverde e não se caracteriza pelo viés chamado de neo-liberal.
A reportagem de Época tem o mérito de colocar a questão da exploração dos recursos naturais sob uma ótica diferente daquela adotada até aqui pela imprensa quando fala de economia e negócios.
Até então, a regra tem sido tratar do assunto de forma marginal, como uma alternativa meio exótica, paralela ao sistema econômico.
Época reconhece que a economia tradicional “começou a adotar as preocupações dos ambientalistas” e procura estabelecer um valor para os recursos naturais.
Cita exemplos de cidades, como Extrema, no sul de Minas, onde proprietários rurais recebem pagamento em dinheiro para não desmatar as áreas próximas de nascentes.
Nessas fontes nasce a água que alimenta o sistema Cantareira, a principal reserva de abastecimento da cidade de São Paulo.
A revista do grupo Globo se aproxima, assim, do conceito de economia verde que constitui um dos fundamentos teóricos da sustentabilidade.
Os cálculos sobre o valor econômico da biodiversidade são conhecidos pelos especialistas desde pelo menos 1997, quando o economista americano Robert Constanza fez uma avaliação do patrimônio ambiental do planeta.
Depois se seguiram o Relatório Stern, do ex-ministro britânido Nicholas Stern, sobre o impacto econômico das mudanças climáticas, e muitos outros estudos.
Apesar de alguns aspectos subjetivos, atualmente o cálculo dos chamados serviços ambientais é quase uma rotina em muitos empreendimentos.
Só não vinha entrando no noticiário econômico por falta de visão dos editores.
A iniciativa de Época, embora demonstre a lentidão da chamada grande imprensa diante das novas tendências, é um passo importante no sentido de transformar os jornais e revistas em aliados na educação de empresários, governantes e da sociedade em geral para a necessidade de mudanças no modelo econômico predador e para um consumo mais consciente.
Lula versus imprensa
Alberto Dines:
– A “Declaração de Campinas” vai entrar para a história da imprensa brasileira. Neste sábado, num comício ao lado da sua candidata, o presidente Lula afirmou que, além de derrotar os adversários políticos, derrotará “alguns jornais e revistas que se comportam como partidos políticos”. Preferiu não generalizar, particularizou “alguns jornais e revistas”, em compensação aumentou o tom dos seus ataques à imprensa com a ameaça de acabar com os veículos que denunciam os recentes escândalos. Teve o cuidado de avisar que não aplicará a censura, “quem vai censurar é o telespectador, o ouvinte, o leitor” insatisfeitos com as coberturas.
Não foi um arroubo palanqueiro, retórico: foi pensado, minutos antes consultou o publicitário que orienta a campanha. Deveria ter consultado o Secretário de Comunicação, o ministro Franklin Martins que, além de respeitado jornalista, tem procurado evitar a anexação da equação venezuelana ao processo político brasileiro. O presidente também errou ao convocar os jornalistas a abandonar a neutralidade (“não existe ninguém neutro”, disse textualmente), para enfrentar a suposta parcialidade do empresariado jornalístico.
A convocação talvez seja ainda mais grave porque sugere uma subversão do processo jornalístico baseado na busca do equilíbrio da informação. O radicalismo da “Declaração de Campinas” tem lógica e justificativa: ao dar a mão à palmatória e levar em conta as denúncias da imprensa afastando a Chefe da Casa Civil, Erenice Guerra, o passo seguinte seria a desqualificação de jornais e revistas, sobretudo estas causadoras da crise. O protesto imediato da ANJ, Associação Nacional de Jornais, era esperado, mas a histórica OAB viu na “Declaração de Campinas” algo mais do que um ataque à indústria jornalística: viu uma intimidação ao Quarto Poder, teoricamente livre para tomar partido e opinar.
O novo round na queda de braço governo-imprensa poderá chamar a atenção da mídia internacional que até agora sequer tomou conhecimento da nova onda de denúncias. Este é um bumerangue que, evidentemente, não tira nem acrescenta votos mas afeta a credibilidade.