Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>O mosaico dos jornais
>>A imprensa ignora o clima

O mosaico dos jornais

Os leitores de jornais não tiveram motivo para tédio no final de semana. Além dos acontecimentos dos dias anteriores, como o fim da CPMF e a crise na Bolívia, alguns deles apostaram em pautas próprias e enriqueceram o cardápio de leituras.

Mas a questão das prioridades continua a ser um problema.

Além disso, no noticiário político os diários sofrem do antigo vício de escolher as versões mais adequadas ao seu próprio viés dos fatos, correndo o risco de serem desmentidos no curto prazo.

A seqüência da extinção da CPMF mostrou que a imprensa não havia se preparado para o desfecho.

Os jornais só se preocuparam em informar os leitores sobre as conseqüências da decisão para a economia do País dias depois do fato consumado.

O maior destaque foi dado a um desabafo do ministro Guido Mantega, que se precipitou em anunciar que o governo iria criar um novo imposto para a saúde.

O ministro errou, e a imprensa errou ainda mais, ao reproduzir sua fala sem checar com outras fontes a consistência da declaração.

Resultado: o ministro foi desmentido publicamente pelo presidente da República, e fica o dito pelo não dito.

A Folha de São Paulo apresentou domingo uma bela reportagem sobre a vida dos bolivianos que sofrem clandestinamente no Brasil, concretizando uma pauta que há anos se oferece aos jornais.

O repórter fotográfico  Antonio Gaudério se fez passar por boliviano, percorreu o caminho do tráfico ilegal de mão-de-obra e oferece aos leitores um retrato bem feito da nova forma de escravidão da economia globalizada.

Na soma dos esforços, os leitores têm muito material para passar os olhos.

Mas a falta de critério para a escolha de prioridades ainda faz da leitura dos jornais um exercício parecido com o da observação de mosaicos.

A imprensa ignora o clima

Com exceção do Estado de S.Paulo, a imprensa escondeu do seus leitores o novo acordo obtido em Bali, na Indonésia, para o combate ao problema do aquecimento global.

As revistas semanais não conseguiram esperar o final do encontro, com a surpreendente adesão dos Estados Unidos ao novo protocolo de intenções.

Mas Época fez um bom relato, enquanto Veja ignorou o assunto completamente.

Ouça o comentário de Alberto Dines:


– O grande inimigo dos ambientalistas era até sábado o presidente dos Estados Unidos. Mas no encerramento da 13ª Conferência do Clima em Bali, Indonésia, os americanos finalmente aceitaram participar da redução do aquecimento global diante da diminuição das exigências européias. E quem passará a ocupar o lugar de vilão? É fácil verificar: ontem, domingo, dos três jornalões nacionais, apenas um – o Estado de S.Paulo – percebeu a importância histórica do acordo e o destacou em manchete. O Globo que tem vários colunistas na linha de frente da defesa do meio ambiente, jogou o assunto lá embaixo da primeira página. E a Folha de S.Paulo, achou mais importante valorizar uma sondagem realizada pela empresa do mesmo grupo, Datafolha, sobre a melhoria de vida dos setores mais pobres da população e deixou o plano antiaquecimento global em posição secundária. É evidente que o acordo firmado por 191 países neste fim de semana poderia ter sido mais rigoroso, mas se a imprensa não consegue mobilizar os seus leitores em torno de um inédito consenso internacional, como esperar que os eleitores pressionem os seus governos para salvar o planeta? A opção equivocada dos mancheteiros da Folha e do Globo não agravará o aquecimento global, mas revela, além da miopia, alguns preconceitos jornalísticos. Na Folha qualquer estatística vale mais do que um fato, por mais transcendente que seja e quando esta cifra é produzida pela empresa co-irmã o destaque é sagrado. No Globo, sagrada é a denúncia local mesmo que se trate de uma patrulha da PM que prefere proteger um botequim em Ipanema em vez de garantir a  segurança dos pedestres.  Uma coisa é certa: a proteção do meio-ambiente começa na consciência individual e uma imprensa desatenta pode ser tão danosa quanto a teima do presidente Bush em assinar os acordos internacionais de proteção ao meio ambiente.