Mudança de rumos
Manchete do Estado de S.Paulo nesta quinta-feira coloca em outros padrões o debate sobre a regulamentação da mídia no Brasil.
O ponto principal da reportagem é a notícia de que o governo teria decidido abandonar a questão da propriedade cruzada dos meios de comunicação, pelo fato de que o desenvolvimento das tecnologias tornou obsoleto esse tema.
O jornal lembra que a tendêndia de convergência das mídias, “que consolidou o tráfego simultâneo de dados e noticiário em todas as plataformas”, conduz a uma proposta de concessão única.
A constatação, que parece óbvia, abre um enorme leque de outras divergências.
Por exemplo, como conciliar a regulamentação das emissoras de televisão e rádio, serviços de concessão pública, com a liberdade dos sites, portais e outros formatos da Internet, e com os veículos de papel, regidos por normas comerciais simples?
Segundo a versão dada pelo Estadão, o ponto principal da mudança seria a determinação da presidente Dilma Rousseff para que a questão seja menos discutida em termos ideológicos e contemple mais os aspectos constitucionais e tecnológicos.
Não há como escapar de uma comparação entre a atual presidente e seu antecessor e mentor, o ex-presidente Lula da Silva.
Também entram no crivo os perfis do antigo ministro da Comunicação Social Franklin Martins e do atual Ministro das Comunicações, Paulo Bernardo, assim como a transferência das atribuições da regulamentação de um Ministério para o outro.
Colocado no centro das discussões e do confronto com a mídia, Franklin Martins ficou marcado pelas acusações, feitas pela imprensa, de que pretenderia restringir a liberdade de informação.
Embora nunca tenha havido um movimento real do governo anterior no sentido de estabelecer restrições para a imprensa, essa foi a imagem plantada pela mídia.
Os jornais destacam ultimamente o compromisso formal da atual presidente com a liberdade de informação, como se o ex-presidente Lula da Silva tivesse representado um perigo para a imprensa.
Da mesma forma, estendem um tapete vermelho para o atual ministro das Comunicações, forçando um contraponto com Franklin Martins que está apenas nos artigos e editoriais da imprensa.
Nunca houve uma ameaça real à liberdade de imprensa durante o governo anterior.
A tecnologia liberta
As primeiras especulações sobre mudanças na legislação sobre as comunicações dão conta de que o atual governo pretende regulamentar o setor de forma abrangente.
Assim, devem entrar em novo ciclo de debates a questão da propriedade de concessões de rádio e TV por parlamentares, as atribuições da Anatel – Agência Nacional de Telecomunicações – e a limitação de capital estrangeiro na mídia.
Segundo o Estado de S.Paulo, a tendência é que essas questões sejam separadas entre si e tratadas isoladamente, para evitar desgastes para o governo.
Existem ainda as questões da produção nacional, regional e independente, que o governo pretende estimular, e a regulamentação sobre a adequação de conteúdos.
Como se pode perceber, embora o Estadão esteja comemorando discretamente uma alteração de rumos, ainda não se sabe onde essa mudança vai dar.
O jornalão paulista aposta, por exemplo, o governo vai defender a extensão aos meios digitais do limite de 30% de capital estrangeiro, que hoje vigora para a mídia impressa, televisão e rádio.
No entanto, a mesma tecnologia apontada como razão para se considerar superado o debate sobre a convergência de mídias impõe um olhar mais cuidadoso sobre a questão do capital estrangeiro nos meios digitais.
Como impedir, por exemplo, que um portal noticioso seja criado na China, com conteúdo em Português, com a mesma pauta dos jornais brasileiros?
Além disso, já que, segundo o jornal, o governo está dando um passo atrás para planejar um movimento mais amplo, o que pode impedir um debate aberto e sem preconceitos sobre os fundamentos da limitação do capital estrangeiro em qualquer espécie de mídia?
O mesmo argumento da tecnologia serve para o tema, uma vez que já existem aparelhos portáteis de comunicação capazes de acessar emissões multimídia, com som, imagem e texto, de qualquer lugar do mundo.
Se é para abrir o leque, tudo deve ser questionado?
Se a imprensa brasileira está pensando que a regulamentação vai consolidar privilégios, pode estar redondamente equivocada.