Descobrindo o Brasil
Os jornais sintetizaram no final de semans suas preocupações com o tema da segurança nacional que, ao lado da morte da menina Isabella Nardoni, foi a pauta mais recorrente da imprensa nos últimos dias.
O Estadão abordou as relações entre o Brasil e o Paraguai, que deverão passar por uma revisão a partir de exigências do presidente eleito daquele país, Fernando Lugo.
A Folha requentou uma reportagem que foi publicada há alguns meses, observando que as cidades que mais desmatam na Amazônia são também as que mais têm trabalho escravo e violência no campo.
O Globo resolveu cozinhar a recente manifestação do comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno Pereira, sobre a vulnerabilidade das fronteiras amazônicas e a situação ‘caótica’ da política indigenista e aproveita para atacar as organizações não governamentais que atuam na região.
Dos três temas, o que promete permanecer mais tempo e ocupar mais páginas dos jornais é a questão amazônica.
Não apenas por ser mais complexa, mas porque permite à imprensa definir rápida e genericamente o bem e o mal, as vítimas e os vilões.
O texto publicado pelo Globo no domingo deixa claro que o jornal vai visar as ONGs, já apresentadas, na primeira reportagem, de forma depreciativa.
É provável que a seqüência das investigações do jornal venha a apresentar distorções na relação entre algumas dessas entidades e órgaos públicos, mas chamar genericamente de ‘ongueiros’ os profissionais que atuam nessas organizações é uma forma grosseira de abordar o assunto.
O jornal carioca dá umas pinceladas na situação de abandono em que se encontram as populações indígenas, mas centra suas preocupações na atuação das ONGs, como se elas fossem as causadoras do problema.
Mesmo que sejam identificadas algumas organizações atuando for a dos propósitos anunciados, ou organizações-fantasmas criadas para desviar dinheiro público, não se pode afirmar, a priori, que as ONGs são o problema da Amazônia.
Em muitas aldeias indígenas e povoações ribeirinhas, elas são o único recurso de saúde e educação disponíveis para os habitantes.
Da mesma forma que nas favelas das grandes cidades, ou nas regiões onde o desmatamento coincide com a violência no campo, o problema nasce da ausência do Estado, que durante décadas deixou vastas regiões do País à mercê de aventureiros.
Uma boa reportagem sobre ONGs, favelas ou desmatamento deveria começar por aí.
Criminalizar as ONGs, genericamente, não é um bom começo.
Fome de manchete
A fome ganhou destaque na imprensa de todo o mundo, como se fosse um tsunami.
Mas a fome é um fenômeno previsível, resultado da combinação de fatores naturais com movimentos econômicos.
Ao reagir com manchetes assombradas a uma desgraça anunciada, a imprensa foge do questionamento essencial sobre o funcionamento dos mercados.
Alberto Dines:
– A imprensa nacional e internacional está tratando o espectro da fome como se fosse, fato novo, quente, recém acontecido. A revista Economist (espécie de bíblia do jornalismo econômico) informou na semana passada que a escassez de alimentos pegou a todos de surpresa. Não é verdade, a própria revista mostrou na mesma matéria o salto espetacular nas cotações das commodities agrícolas nos últimos anos. A mídia comeu mosca nesta história de falta de comida – aqui e lá fora. Certos movimentos econômicos só se tornam perceptíveis quando estão muito adiantados. O silêncio é a alma do negócio e os investidores não gostam de barulho, movimentam-se antes que as suas jogadas sejam transformadas em tendência. Veja-se o caso da crise hipotecária americana que só se tornou visível quando já era fato consumado, irremediável e irreversível. Contribuíram muito para a atual alta nos preços agrícolas as aplicações nos mercados futuros praticadas justamente por aqueles que perderam dinheiro no mercado hipotecário americano e europeu. A escassez de alimentos é um fenômeno global criado por uma conjunção de fatores que precisam ser explicados de forma muito clara. O sensacionalismo não funciona numa cobertura deste tipo. Muito menos os modismos mundanos: enquanto a fome transforma-se no personagem do ano, a capa da revista Veja neste fim de semana ensina como fazer dietas balanceadas. Lembra a infeliz Maria Antonieta com os seus brioches.