Thursday, 14 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1314

Marcelo Beraba

‘A ‘Veja’ noticiou, na edição de domingo passado, uma acusação grave contra o governo do PT. A capa da revista, com o fundo vermelho, reproduziu uma nota de 100 dólares com o rosto de Fidel Castro e estampou a manchete ‘Os dólares de Cuba para a campanha de Lula’. Antes de a revista circular, os boatos tomaram conta das redações e a expectativa era que vinha uma bomba capaz de comprometer o governo Lula de forma definitiva.

No domingo, os jornais repercutiram as acusações, mas com ênfases diferentes. O ‘Estado’ foi o único dos grandes diários que deu manchete para o assunto: ‘Denúncia de financiamento cubano agrava a crise’. A Folha foi cautelosa. O assunto não foi o principal de sua capa e priorizou a defesa do governo: ‘Campanha de 2002 não teve dinheiro de Cuba, diz PT’.

Um histórico da repercussão dessa reportagem é interessante porque redimensiona a força que se atribui à imprensa nesta crise provocada pelas acusações de corrupção no governo. É um bom caso para uma rápida reflexão sobre o trabalho jornalístico.

Na segunda-feira, a Folha tratou o caso com seriedade, mas sem torná-lo seu assunto principal. Na terça, publicou o editorial ‘Confronto aberto’, em que se posicionou em relação à reportagem: ‘É inevitável, portanto, receber com reservas as negativas que se seguiram à publicação da referida reportagem. O assunto precisa ser investigado e, caso se demonstre a veracidade dos fatos, o registro do PT tem de ser cassado -pois é o que a lei prevê’.

Mas, nesse mesmo dia, o colunista Clóvis Rossi foi contundente na desqualificação das acusações: ‘O mais elementar sentido comum e um tiquinho de informações básicas bastam para tornar completamente inverossímil a versão publicada pela (…) ‘Veja’ (…)’.

Na terça-feira, a Folha deu a sua primeira manchete sobre o assunto, na mesma linha cuidadosa com que vinha conduzindo o noticiário: ‘Oposição adota cautela sobre caso Cuba’.

No dia seguinte, o colunista Luís Nassif manifestou ceticismo parecido com o de Rossi: ‘Se Cuba contribuiu para a campanha de Lula, certamente não foi da maneira descrita’.

A cobertura dos principais jornais teve como principal característica, até sexta-feira, a ênfase na repercussão das acusações. Repercussão é sinônimo de declarações. Ou seja, muitas aspas e poucas reportagens. A Folha ainda fez um esforço para buscar informações próprias e procurou os principais personagens envolvidos. Mas não obteve nenhum dado que fizesse avançar a reportagem da ‘Veja’. E o ‘Estado’, que no domingo dera o assunto como manchete, na sexta já não tinha uma linha sobre o caso.

Uma evidência da falta de vontade para a investigação: na quinta-feira, um leitor ligou para o ombudsman para informar que o diplomata cubano envolvido no caso, Sérgio Cervantes, estivera no Brasil durante toda a semana, inclusive participara de atividades públicas no Congresso e no PC do B e, até viajar, naquele dia, não tinha sido procurado por nenhum jornal para comentar a reportagem.

Não há dúvida em relação ao potencial explosivo da capa da ‘Veja’. Desde maio, reportagens com menos nitroglicerina tiveram efeitos devastadores. O que intriga é por que, agora, as acusações foram recebidas com tanta cautela e a repercussão foi menor, inclusive por parte da oposição.

Tenho três hipóteses que podem ajudar a explicar o fenômeno.

1 – As lacunas da reportagem.

Como a própria revista admite, há vários pontos obscuros na história. É possível que a edição que circula hoje traga novas informações. Mas, tal como saiu, a reportagem acabou provocando uma discussão que está mais para o terreno da fé do que do jornalismo: você acredita ou não que Cuba enviou dinheiro? A investigação, portanto, precisa continuar. E, até sexta-feira, os jornais não contribuíram para esclarecer o caso.

2 – O cansaço das pessoas.

A reportagem da ‘Veja’ é mais uma acusação grave sem prova definitiva, a exigir investigação. Foram, desde maio, dezenas de casos, e a maioria ainda espera uma conclusão. São seis meses de cobertura diária intensa. Chega uma hora em que fica difícil distinguir a relevância dos fatos.

3 – A blindagem do ministro Antonio Palocci.

Nesta altura, já não há mais dúvida de que qualquer acusação que envolva o ministro, mesmo que referente à sua primeira gestão na Prefeitura de Ribeirão Preto, recebe da imprensa um tratamento diferenciado. Como ocorre neste caso do dinheiro de Cuba, que compromete ex-auxiliares seus, e em outra reportagem, também da ‘Veja’, sobre as gestões lobistas de Valério no Ministério da Fazenda.

Persiste a sensação de que há um acordo entre governistas e oposicionistas para administrar a crise. Uma manchete interna da Folha de terça-feira é sintomática: ‘Senadores do PT não querem cassar Azeredo’, o senador do PSDB de Minas cuja campanha eleitoral também se beneficiou do ‘valerioduto’.

Na última semana a CPI dos Correios anunciou que tem evidências de que os empréstimos feitos por Marcos Valério para o PT não existiram e que pelo menos uma parte dos recursos usados pelo partido saiu do contrato de uma das empresas do empresário com o Banco do Brasil. É possível que comecem a aparecer as provas e a cobertura entre num terreno mais sólido.’

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‘A mesma empresa’, copyright Folha de S. Paulo, 6/11/05

‘A Folha anunciou, em janeiro, a criação da ‘holding’ Folha-UOL S.A., uma reorganização empresarial do Grupo Folha. Com isso, a Portugal Telecom, sócia do UOL, passava a ser também sócia da Folha, e o grupo, de acordo com o jornal, passava a ser o segundo conglomerado de mídia do Brasil.

Na ocasião, o presidente do grupo, Luís Frias, informou que a formação da nova empresa visava a abertura de capital em futuro próximo. Reproduzo as declarações que fez então à Folha: ‘Estamos trabalhando para apresentar a melhor oportunidade para o mercado: segunda empresa do setor em tamanho, líder no que faz, dívida zerada até o final de 2005 e companhia profissionalizada’.

No dia 25 de outubro, o jornal ‘Valor’, sociedade entre o Grupo Folha e as Organizações Globo, informou que o UOL está se preparando para estrear na Bolsa com uma oferta inicial de até US$ 200 milhões em ações.

No final da reportagem, o jornal revelou que a reestruturação societária anunciada em janeiro para agrupar todos os seus negócios de mídia tinha sido desfeita. Segundo o jornal, meses depois do anúncio de janeiro, ‘houve uma mudança de planos e a holding foi cindida’ e ‘o portal UOL voltou, assim, a ser um negócio à parte’.

Achei estranho a própria Folha não ter anunciado o fim da ‘holding’ nem informado a respeito do lançamento de ações do UOL. Procurei a direção do jornal, mas não obtive um pronunciamento oficial. Consegui saber que a mudança teria ocorrido porque o grupo percebeu que seria mais fácil fazer a captação em Bolsa com o lançamento de ações do UOL. Em relação às expectativas de janeiro, o objetivo de zerar a dívida não foi alcançado, embora ela tenha diminuído. E a Portugal Telecom não é mais sócia do jornal.

A Folha age errado ao omitir essas informações de seus leitores. Eles têm o direito de estar a par dos interesses econômicos da empresa que edita o jornal que escolheram.’