A imprensa virou notícia.
Depois que o Globo publicou imagens dos computadores de dois ministros do Supremo Tribunal Federal, que trocavam inconfidências online, e depois que a Folha reproduziu conversa telefônica ouvida de um dos magistrados, a imprensa foi para as manchetes.
De onde precisa sair logo, para que as coisas voltem a seus lugares.
Os donos da manchete
Alberto Dines:
– Dois dias antes do início do julgamento do mensalão no Supremo Tribunal Federal comentei aqui que seria inevitável, ‘uma discussão sobre o desempenho da mídia.’ Foi exatamente isso o que aconteceu: na sexta-feira passada a reprodução pelo Globo dos diálogos eletrônicos entre dois ministros da suprema corte superou a discussão jurídica sobre peculato, formação de quadrilha, etc. Ontem, mal terminada a primeira etapa do processo, a reprodução parcial de uma conversa telefônica de um ministro do STF por uma repórter da Folha trouxe a mídia novamente para a berlinda. Ao contrário do que afirmou o ministro e alguns dos 40 réus, a imprensa não colocou uma faca no pescoço dos meritíssimos ou meritíssimas, simplesmente porque a imprensa não dispõe de poder. A imprensa dispõe apenas de manchetes, assim como os juízes dispõem das togas e da força da lei. São os governos que detém o monopólio das armas, o monopólio das verbas e o monopólio da distribuição dos cargos.
Luciano:
Sem faca no pescoço
Os magistrados do STF não colocaram em dúvida o relato de ontem da Folha de S.Paulo, dando conta de conversa impertinente do ministro Ricardo Lewandowski ao telefone celular.
Os srs. juizes simplesmente negaram que o tribunal tenha agido sob coação da imprensa no julgamento dos pedidos de processo contra os acusados do chamado escândalo do mensalão.
Uma nota oficial nos dá conta de que o Supremo Tribunal Fedeal é imune a pressões.
O autor da inconfidência pediu desculpa a seus pares, se declarou ‘magoado’ com a divulgação da conversa, mas confirmou o que havia dito.
E o ex-ministro José Dirceu, denunciado por corrupção e formação de quadrilha, ganhou o direito de colocar sob suspeita a decisão judicial que o coloca no banco dos réus.
Só para lembrar: Lewandowski foi o único ministro que votou a favor de José Dirceu.
Caso encerrado?
O caso parece que termina por aí.
Não deveria. Não é aceitável que um jurista experiente como Lewandowski não conhecesse os riscos de caminhar entre as mesas de um restaurante frequentado por políticos e jornalistas, falando em voz alta.
Assim como a imprensa assume que um ministro da suprema corte tenha um comportamento, para dizer o mínimo, leviano, não custaria avançar um pouco na outra possibilidade, a de que ele tenha deliberadamente plantado uma intriga na corte.
Se o Supremo Tribunal Federal é mesmo vulnerável a pressões, como insinuou o ministro Lewandowski, seria a hora de a imprensa produzir um perfil da instituição.
Afinal, estamos no limiar do maior processo sobre corrupção na história da República, como destacam todos os jornais, e seria saudável eliminar qualquer dúvida sobre a lisura técnica das decisões da corte.
Faltou decoro
Foi no Conselho de Ética do Senado.
Os parlamentares discutiam a proposta de voto secreto no pedido de processo contra o presidente da Casa, Renan Calheiros.
Segundo descrevem os jornais, e conforme se pode ver pela TV Senado, o senador Almeida Lima, aliado de Renan, exigia que seu relatório, favorável ao acusado, fosse lido à parte dos outros dois pareceres, quando foi aparteado pelo tucano Tasso Jereissati.
No melhor momento do pastelão, Tasso imitou trejeitos de afeminado e disse ao oponente: ‘Calma, boneca’.
Almeida Lima deu um tapa na mesa e ameaçou partir para cima de Tasso Jereissati.
Mas a turma do deixa-disso acabou com a diversão da platéia.
Voto aberto
Depois do espetáculo, o Conselho de Ética decidiu que Renan Calheiros será julgado com voto aberto.
Mas a leitura dos relatórios só sera feita na próxima quarta-feira, que os senadores não são de ferro.
Renan Calheiros se torna mais vulnerável com a decisão pelo voto aberto.
Com o voto secreto, ele entende que teria chances de sair vitorioso no Conselho de Ética.
Segundo o Globo, Renan foi pedir ajuda ao presidente Lula. Na companhia do senador José Sarney, ele foi dizer ao presidente, com a sutileza possível, que seria conveniente uma ajuda do PT.
O líder do governo no Senado, Romero Jucá, confirmou ao Globo a ocorrência do encontro, mas disse que Renan saiu de mãos vazias: ‘o presidente se solidarizou com Renan, mas não pode interferir no processo’.
História de inocentes
Se dependesse do histórico do Senado, Renan Calheiros não teria motivos para preocupação: conforme lembra hoje a Folha, apenas um senador – o peemedebista Luis Estêvão, foi cassado por quebra de decoro parlamentar, em junho de 2000.
O líder comunista Luis Carlos Prestes perdeu o mandato em 1948, mas apenas porque o Tribunal Superior Eleitoral cassou o registro do PCB.
Os outros oito senadores que foram levados a julgamento foram inocentados ou renunciaram para evitar a cassação.
Foram os casos, por exemplo, de José Roberto Arruda, Jader Barbalho e Antonio Carlos Magalhães.
Peso social
Foi extremamente desigual o tratamento dado hoje à divulgação do PPA – o Plano Plurianual com o qual o governo se compromete a orientar os orçamentos dos próximos quatro anos.
O Estado de S.Paulo foi o jornal que deu mais destaque ao evento, escolhendo para manchete a expansão dos investimentos sociais, mas tratou de desqualificar o plano, chamando-o de ‘cor-de-rosa’.
O Globo preferiu chamar atenção para a ampliação do programa Bolsa-Família para jovens de até 17 anos, insinuando que há por trás do plano um interesse eleitoral do governo, já que 2008 será ano eleitoral e os jovens com mais de 16 anos podem votar.
A Folha ignorou completamente o lançamento do plano, que deve ser enviado hoje ao Congresso.
Publicou uma notícia na primeira página do caderno ‘Dinheiro’, apenas registrando o fim do programa Primeiro Emprego.
Mesmo com seu claro viés de oposição, o Estadão presta melhor serviço aos seus leitores.
O jornal paulista informa que o orçamento para os programas sociais vai ganhar no ano que vem mais 4 bilhões e setecentos milhões de reais e que o PPA vai dar prioridade à educação.
Nenhum dos diários informa que o plano para os próximos quatro anos determina a regionalização dos futuros orçamentos, o que significa uma mudança importante na estratégia de desenvolvimento do País.
Entre amigos
O Globo ainda repercute, na edição desta sexta-feira, o escândalo promovido anteontem pelo Ministério Público de São Paulo, que manteve no cargo o promotor Thales Ferri Shoedl.
Thales é assassino confesso do atleta Diego Mendes Mondanez.
O jovem foi morto a tiros quando tinha 20 anos, em 2004, por causa de um desentendimento.
Thales Ferri Shoedl matou Mondanez e feriu outro jovem, Felipe Siqueira Cunha de Souza, depois de um bate-boca porque os rapazes teriam dirigido gracejos a sua mulher.
O promotor deu doze tiros e alegou legítima defesa.
Agora vai atuar na comarca de Jales, no interior paulista e ainda ganhou foro privilegiado: não será submetido a juri. Será julgado por seus colegas.