Não sobra ninguém
O escândalo provocado pela prisão de executivos da empreiteira Camargo Corrêa, com a revelação de operações financeiras irregulares envolvendo partidos políticos da oposição ao governo federal, é uma excelente oportunidade para testar a idoneidade da imprensa brasileira.
Se for verdadeira metade das acusações que foram publicadas, estamos diante de um repeteco do chamado “mensalão”, desta vez no lado oposto do espectro político-partidário.
Vamos ver como a imprensa se comporta.
Como os leitores se recordam, todo o ano de 2005 foi dominado pela agenda do caso que acabou derrubando o então ministro da Casa Civil, José Dirceu, e outros dirigentes do Partido dos Trabalhadores.
O ponto de partida do escândalo chamado de “mensalão” era o uso de caixa 2 – recursos financeiros não contabilizados, no linguajar adotado pela defesa dos acusados.
O ponto de partida do caso atual, que a Polícia Federal batizou de Operação “Castelo de Areia”, é o mesmo: doações de empresa a partidos políticos, em troca de favorecimentos em futuras obras e contratos públicos, tudo armado em torno de licitações fraudadas.
Por enquanto, a imprensa parece tão perplexa quanto a diretoria da Camargo Corrêa.
O material publicado hoje indica que as edições foram atropeladas pelo peso do noticiário, que envolve sete partidos, uma das maiores empreiteiras do País e a Federação das Indústrias no Estado de São Paulo, a Fiesp, além de doleiros e altos funcionários de um banco suíço.
Nenhum jornal conseguiu acrescentar dados relevantes ao que foi revelado pela Polícia Federal e pela Procuradoria da República, mesmo porque as diligências policiais se encerraram às 19h45 de ontem, horário em que a maioria das redações começa o fechamento da edição do dia seguinte.
Portanto, os leitores ainda não têm condições de avaliar se a imprensa irá demonstrar, no atual escândalo, o mesmo apetite que revelou na divulgação do caso que manteve o governo federal sitiado durante praticamente o ano inteiro, em 2005.
Os próximos dias dirão se a imprensa usa o mesmo peso e a mesma medida para as delinquências da política.
A agenda comprometida
Na inauguração do novo escândalo, uma tendência fica muito clara: todos os partidos acusados de envolvimento em irregularidades apontadas pela Polícia Federal, envolvendo a Camargo Corrêa e doleiros, tiveram amplo espaço para suas defesas nas páginas dos jornais de hoje.
O Globo, por exemplo, foi muito cioso em garantir a versão dos acusados, como convém ao bom jornalismo.
Mas esse não tem sido o comportamento padrão da nossa imprensa em ocasiões anteriores.
O leitor pode fazer por si mesmo as comparações com a cobertura de outros escândalos, como o caso que quase custou o mandato ao senador Renan Calheiros.
Naquela ocasião, os jornais praticamente não deixaram espaço para a defesa do acusado.
Também é interessante observar como a imprensa vai tratar o juiz Fausto Martin de Sanctis, que acatou o inquérito da Polícia Federal e da Procuradoria da República e expediu dez mandados de prisão e quase vinte mandados de busca no caso atual.
Trata-de do mesmo juiz que mandou prender o banqueiro Daniel Dantas na chamada “Operação Satiagraha”, e que entrou em confronto com o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, que concedeu dois habeas corpus seguidos ao banqueiro.
Lembre-se o leitor que, no caso Satiagraha, a imprensa claramente demonizou o juiz, colocando-o sob a mesma suspeita de abuso que tem sido lançada contra o delegado que presidiu o inquérito, Protógenes Queiroz.
Portanto, para fazer um bom juízo, convém ficar de olho na forma como a imprensa irá noticiar o mais novo escândalo nos próximos dias.
Uma coisa é certa: o caso promete contaminar tudo que se relacione com política no Brasil.
A revelação de que praticamente todos os partidos se valem de financiamentos irregulares, se confirmada, seria uma excelente oportunidade para a imprensa abrir uma campanha pela reforma da legislação eleitoral.
Num período em que a abertura dos trabalhos legislativos revela uma sucessão de falcatruas no Congresso Nacional, e quando o lançamento antecipado das candidaturas à Presidência da República ameaça aprisionar o noticiário político numa agenda que caberia melhor no noticiário policial, a previsão do tempo só pode ser uma: muita chuva de lama até o fim de 2010.