Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>O fim do caminho
>>Travessuras de La Niña deixam a Folha mal

O fim do caminho


A semana começou com chuva, outra vez, e os jornais seguem acompanhando a saga das equipes de socorro, agora ocupadas em localizar cadáveres, atender flagelados sem água e comida e evitar o acesso de curiosos e saqueadores aos locais mais atingidos na região serrana do Rio.


No noticiário do final de semana, destaca-se a manchete da Folha de S.Paulo de domingo: “Novo Código Florestal amplia risco de desastre”.


Finalmente, depois de a imprensa gastar muito papel na descrição do fato consumado, pelo menos um dos chamados grandes jornais resolve abordar essa tentiva irresponsável de facilitar a ação dos predadores do patrimônio ambiental.


Antes que os apologistas da obviedade se adiantem para dizer que o novo Código Florestal não tem relação com as tragédias deste verão porque ainda está em tramitação, convém lembrar que a própria notícia de que a legislação pode vir a ser flexibilizada estimula a irresponsabilidade.


Além disso, o que faz a Folha é observar, com a ajuda de especialistas, que algumas das causas do grande número de mortos nos deslizamentos e enchentes por todo o País, em todos os tempos, tem sido a ocupação de topos de morros, das margens de rios e de encostas.


O texto de autoria do deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) e encomentado pela bancada ruralista não considera topos de morros como áreas de preservação permanente, libera a construção de casas nas encostas com mais de 45 graus de inclinação e reduz a faixa de preservação das matas nas margens dos rios, criando a possibilidade legal da ocupação de áreas como a que deu origem ao Jardim Pantanal, na zona leste de São Paulo, que passa todo verão submerso.


No meio dos relatos de dramas sem fim, também deve ter comovido muitos ouvintes e leitores a notícia, divulgada no sábado, de que o antigo refúgio de Tom Jobim no município de São José do Vale do Rio Preto, estado do Rio, foi devastado por uma das avalanches da semana passada.


Foi no sítio do Poço Fundo que Jobim compôs “Águas de Março”, no início dos anos 1970.


Obra premonitória: “É pau, é pedra, é o fim do caminho…”


Travessuras de La Niña deixam a Folha mal


Alberto Dines:


– Cansada de emocionar-se, orgulhosa da onda de solidariedade que despertou, a mídia começou a caça aos culpados: é preciso sentar no banco dos réus os responsáveis pelos cerca de 600 mortos na catástrofe fluminense. Na última sexta-feira, 14/1, a Folha de S. Paulo destacou no alto da sua capa uma acusação aos fenômenos cíclicos: “La Niña explica as inundações no globo, dizem estudos”. A matéria publicada na edição nacional (que circula no Rio) era categórica: a irmã do “El Niño” provocaria fortes chuvas na América do Sul durante o primeiro semestre e por isto foi acionado um alerta à Cruz Vermelha Internacional para preparar-se para tragédias iminentes.


O editor de plantão certamente avaliou que a notícia era alarmista e na edição paulistana (rodada em seguida) amenizou o texto. Mas manteve a chamada na capa e também o título da matéria da página C-19 (“Chuvas na Austrália, Venezuela e Paquistão têm origem comum”. Por precaução, acrescentou em subtítulo: “La Niña, porém, não tem relação com as enchentes brasileiras”. Assim, na primeira página de um dos jornais mais importantes do país, o leitor é alertado para a possibilidade de que La Niña seja a causadora da tromba d’água que desabou sobre a região serrana do Rio e, páginas depois, para acalmá-lo, lhe dizem exatamente o contrário.


O mais grave, porém, é que as suspeitas sobre La Niña parecem rigorosamente justificadas: uma semana antes da enxurrada, o semanário The Economist (muito citado pelos colunistas do jornal) avisava que a “menina travessa”, irmã do El Niño, provocaria fortes chuvas até o meio deste ano e que La Niña teria sido a responsável pelos dilúvios na Austrália e Venezuela.


Se a Folha tivesse levado a sério o alerta emitido pela revista com o aval do Instituto Internacional de Pesquisas Climáticas teria acionado com alguns dias de antecedência o sistema de prevenção  do qual a mídia é peça fundamental.


Leia também:


‘Tough little girl’, The Economist


‘A banalidade das enchentes, crateras e desabamentos’, Alberto Dines