A revolução das vontades
Notícias pinçadas aqui e ali nos jornais desta quarta-feira revelam o papel cada vez mais relevante protagonizado pelo Facebook e Twitter, principais manifestações do fenômeno contemporâneo chamado de redes sociais digitais.
Poucos ainda chamam essas organizações de “virtuais”, tamanha a sua presença no mundo real.
Pergunte-se, por exemplo, ao quase ex-ditador do Egito Hosni Mubarak se ele considera “virtuais” as multidões que ocupam as ruas para exigir sua saída do poder.
As multidões se aglutinaram através de mensagens nas redes sociais, os locais de saída das passeatas foram definidos em trocas de textos curtos, os milhares de líderes surgiram espontaneamente nos grupos de relacionamento.
Os meios tradicionais de comunicação assistem e relatam os acontecimentos que os novos meios tornam possíveis, mas não têm um papel importante a cumprir.
Paralelamente, não há como fugir ao fato de que o Google, suprassumo das ferramentas de busca, se transformou em referência essencial para quem quer se informar.
Diante da reação do governo egípcio, que bloqueou os sinais da internet para tentar desorganizar o movimento, Google, Twitter e Facebook acabam de lançar um serviço de mensagens por telefone, que permite a continuidade das comunicações.
Mesmo que isso não fosse possível, nada mais poderia conter as manifestações: as vontades já haviam sido mobilizadas, e toda uma geração que nunca havia vivido o sabor da democracia descobriu o que pode ser a liberdade.
Para se calcular o valor deste momento histórico, basta ler alguma coisa sobre a brutalidade da polícia egípcia, estilo comum a todas as tiranias da região.
Diante do que representa o presente de terror e pobreza, para muitos vale a pena arriscar a vida por um futuro de liberdades possíveis.
Nesse cenário que anuncia profundas mudanças naquele trecho de mundo, convém observar que projeções se pode fazer para esse futuro.
Um dos exercícios prediletos da imprensa, pelo menos aqui no Brasil, é cotizar os grandes acontecimentos com um “quem ganha, quem perde”.
O momento histórico no Egito, imprevisto e arrasador, revela que os meios tradicionais de comunicação não estão entre os vencedores.
Edições fragmentadas
Se a imprensa que conhecemos ficou alijada da vanguarda do movimento e não teve instrumentos para detectar o embrião da revolta, também se pode questionar se seus profissionais estariam equipados para bem retratar o acontecimento.
Quem viveu as barricadas de Paris em 1968 e quem enfrentou a polícia da ditadura brasileira, nos anos 70, pode ter uma idéia do que acontece na Tunísia e no Egito, mas rareiam desses profissionais nas redações, principalmente nos cargos de direção.
Na média, os jornalistas em atividade foram formados no universo que alguns chamam de “pós-modernidade” e sofrem do processo de “reeducação” liberal que despreza a História.
Essa talvez seja a razão pela qual as edições sobre os eventos no norte da África parecem tão fragmentadas.
Assim como a camarilha que se apossou do poder no Egito se surpreende com a quebra da ordem perversa que considerava imutável, também a imprensa parece chocada com a possibilidade de uma sociedade inteira, sem lideranças formais, se mobilizar para exigir o fim da opressão.
Chega a ser irônico observar que o motor da ruptura é a informação, a notícia de que pode haver maneiras mais dignas de viver do que sob uma tirania.
E concluir que não foi pela imprensa tradicional que a população se deu conta de quanto estava sendo oprimida.
Muito provavelmente, neste final de semana os egípcios começam a voltar para suas casas.
Entram em cena, então, os negociadores, e a realidade fixará seus piquetes alguns passos atrás dos sonhos dos rebeldes.
Mas a sociedade egípcia terá avançado muito mais do que se podia imaginar.
As vontades individuais se consolidaram através de um agregador de informações cujo nome remete ao infinido da internet, o sonho de liberdade foi compartilhado numa rede chamada Facebook e a decisão de materializar o desejo de mudança se espalhou nas asas de outro negócio chamado Twitter, que se refere ao sistema de comunicação dos pássaros, através dos assobios.
E a imprensa tradicional ainda tenta decifrar essa esfinge contemporânea que tem milhões de rostos.