Escondendo a boa notícia
A fonte da informação é a mesma: a Pesquisa de Orçamentos Familiares 2008-2009, divulgada na quarta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE.
As versões publicadas nesta quinta pelos principais jornais de circulação nacional é que causam estranheza.
Claro que não se pode esperar plena coincidência na interpretação de estudos demográficos ou das pesquisas sobre o desenvolvimento social, mas uma olhada geral nos títulos indica a impressão de que cada jornal escolheu os dados mais relevantes segundo sua visão particular.
E todos eles selecionaram os aspectos mais negativos.
O Globo destaca que o ganho dos brasileiros aumentou 21% de 2003 a 2009, mas observa que 35% da população ainda não se alimenta adequadamente. Faltou esclarecer que o gasto com alimentação nas casas diminuiu porque mais pessoas trabalham fora, e muitos usam vale-refeição, o que explica o maior gasto com restaurantes, conforme cita a Folha de S.Paulo.
Já o Estado de S.Paulo prefere o destaque negativo: “No País, 35,5% não comem o suficiente”, diz a chamada na primeira página .
Para o jornalão paulista, o rendimento das famílias brasileiras não subiu 21%, mas 10,8% no período.
A diferença entre as duas interpretações é que o Globo considerou mais importante a renda familiar per capita, indicador mais consistente da qualidade de vida, enquanto o Estadão preferiu chamar atenção para o rendimento médio mensal familiar, um indicador menos abrangente.
A Folha de S.Paulo saiu por uma tangente, chamando atenção para o fato de que o peso do Estado na renda das famílias brasileiras aumentou de 15% para 18,5%, graças aos pagamentos de benefícios sociais e aposentadorias.
Diante do fato de que no período aumentou o número de aposentados e o salário mínimo teve ganhos reais, a escolha do jornal é a que menos retrata a realidade mostrada na pesquisa.
O que os dados do IBGE estão revelando, incontestavelmente, é que os problemas sociais brasileiros são grandes, mas melhoraram entre 2003 e 2009, o que sugere o estabelecimento de um ciclo sustentável de desenvolvimento.
Esta última frase, retirada quase literalmente da análise de um especialista publicada pelo Estadão, é o cerne da notícia, que os jornais tentaram esconder.
A mesma pesquisa realizada entre 2002 e 2003 mostrava que, naquela época, 85,3% dos brasileiros se queixavam de que suas despesas eram maiores que seus ganhos.
Na pesquisa atual, esse número caiu para 68,4%.
Entre 2002 e 2003, 73,2% dos brasileiros se diziam insatisfeitos com a qualidade da comida, reclamando basicamente por não poder comer carne com mais frequência. Esse número caiu para 65%.
O Brasil melhorou, a renda dos 10% mais pobres cresceu mais do que a renda dos 10% mais ricos, as diferenças sociais foram reduzidas e a combinação dos dados revela que está em curso um processo consistente de desenvolvimento no País.
Mas isso não dá manchete.
A tragédia negligenciada
O Estado de S.Paulo foi o primeiro dos grandes jornais a se dar conta da extensão da tragédia provocada pelas chuvas no Nordeste.
As primeiras imagens, na segunda-feira, apanharam as redações ainda na ressaca da vitória da seleção brasileira contra a Costa do Marfim, na Copa do Mundo.
Os estragos iniciais aconteceram ainda antes, na sexta-feira, dia 18.
Os danos se agravaram e se estenderam por todo o fim de semana, mas a imprensa estava com os olhos no outro lado do Atlântico, preocupada com o mau humor do técnico Dunga.
Os registros fotográficos apareceram nas edições da terça-feira mas foi apenas na quarta, com manchete na primeira página, que o Estadão consolidou os números: mais de 115 mil desabrigados, 41 mortos e algumas centenas de desaparecidos – talvez mais de mil.
Uma denúncia grave de irresponsabilidade envolvendo uma grande indústria de alimentos, que teria se negado a abrir as comportas de uma represa, e a “descoberta” de que a legislação dificulta, com uma barragem burocrática, a liberação de verbas de emergência.
Metade do dinheiro para as primeiras providências de socorro foi providenciada porque uma Medida Provisória baixada há poucos dias havia criado um fundo específico para populações atingidas por calamidades climáticas.
Nesta quinta-feira, finalmente, quase uma semana depois das primeiras notícias sobre a destruição de cidades inteiras, o assunto ganha o espaço e o destaque adequados também na Folha de S.Paulo.
Mas o Globo ainda “escondia” relativamente o assunto em suas páginas internas, se levada em conta a gravidade dos acontecimentos.
Nada que se compare à prontidão com que foram acionados os repórteres para cobrir os deslizamentos de terra em Angra dos Reis e Niterói, no início de abril.
As testemunhas falam em um “tsunami” de água doce. As imagens não deixam dúvida quanto à destruição causada em cidades de Pernambuco e Alagoas, onde quarteirões inteiros de casas, lojas, postos de saúde, escolas e outros estabelecimentos foram arrasados.
O que faltou para que a tragédia dos nordestinos encontrasse nos jornais do Sudeste a repercussão que a gravidade dos acontecimentos recomenda?