O fantasma da tutela
A decisão do Supremo Tribunal Federal, que rejeitou o recurso do jornal O Estado de S.Paulo contra a proibição de publicar reportagens sobre o envolvimento da família Sarney na investigação da Polícia Federal denominada Operação Boi Barrica, parece ter provocado um susto nos outros jornais de referência nacional.
Até aqui mais ou menos alheios ao assunto, o Globo e a Folha de S.Paulo dedicam nesta sexta-feira mais atenção à controvérsia, publicando até mesmo uma chamada em suas primeiras páginas sobre a decisão do STF.
A proibição ao Estadão de publicar trechos do inquérito e dos conteúdos de gravações de conversas que envolvem diretamente o empresário Fernando Sarney, indiciado por formação de quadrilha e lavagem de dinheiro, completou 133 dias.
Nesse período, os outros jornais passaram ao largo do tema, tratado quase como uma querela isolada do jornal paulista contra a família Sarney.
Apenas um ou outro registro sobre o andamento dos recursos contra a sentença da primeira instância mereceu destaque nos outros diários.
Por que a decisão desta quinta-feira do Supremo Tribunal Federal ganha espaço nas edições de papel da Folha e do Globo, depois de os dois jornais praticamente haverem relegado o assunto a segundo plano durante a tarde e a noite de ontem, em suas edições digitais?
É que as redações tiveram tempo para digerir os votos dos ministros e se deram conta de que a decisão do Supremo abre espaço para o debate sobre a tutela da Justiça sobre a imprensa.
Isso quer dizer que, no entendimento da corte máxima do Brasil, o Judiciário pode impedir a publicação de livros, jornais e revistas para evitar a violação de direitos individuais.
Segundo a maioria do Supremo, tutela não é censura prévia.
Uma das justificativas apresentadas nos votos dos ministros foi o famigerado caso da Escola Base, ocorrido em São Paulo em 1994.
A imprensa paga o preço de seus pecados.
Confusão na Corte
Alberto Dines:
– A decisão do STF de tarde e a reação da mídia eletrônica ontem à noite, não poderiam ser piores. Ao extinguir o recurso apresentado pelo Estado de S. Paulo sem julgar o mérito da questão da censura, seis ministros da suprema corte, incluindo o seu presidente, Gilmar Mendes, novamente mostraram à sociedade brasileira o seu total alheamento das questões relativas à imprensa.
Não estão sozinhos, pois a resignação da maioria dos telejornais noturnos e dos portais de notícias da Internet mostra que também alguns jornalistas não estão empenhados em defender a liberdade de expressão (a honrosa exceção ficou por conta do jornal da TV-Cultura).
A alegação do relator Cesar Peluso foi absolutamente formalista, como se uma cláusula pétrea da Constituição não estivesse sendo mutilada. Nada impede que um magistrado considere descabida uma reclamação, faz parte do seu repertório de opções. Mas o ministro-relator entrou no mérito da questão ao afirmar que não se tratava de uma “censura judicial”. Foi mais longe ao afirmar categoricamente que “a liberdade da imprensa não é absoluta”.
É sim, Meritíssimo, a liberdade de imprensa é absoluta. E, se o ministro Peluso acha que o tribunal não deve entrar no mérito da questão, não deveria tecer considerações sobre a censura imposta ao Estadão há 133 dias. Carlos Ayres de Brito – seguido por Carmen Lúcia e Celso de Mello – acha que “nenhuma lei poderá conter dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de expressão”. Estão certos mas são minoria.
A verdade é que esta nova decisão do STF, ao invés de esclarecer a sociedade, fez justamente o contrário: aumentou a confusão. Aliás, em matéria de imprensa o STF tomou neste ano três decisões precárias e perigosas. Quando decidiram extinguir integralmente a Lei de Imprensa, os ministros não repararam que deixaram em aberto a questão crucial do direito de resposta. Quando decidiram extinguir a exigência do diploma para o exercício do jornalismo, os ministros aceitaram a tese de Gilmar Mendes, segundo a qual o jornalismo não era uma atividade específica, e com isso acabaram com a profissão de jornalista que existe há milênios.
Agora a maioria do plenário acolhe esta solução simplista: já que a reclamação do Estadão foi indevidamente apresentada, fica mantida a ilegalidade da censura prévia. E assim concede-se à família Sarney o direito de decidir o que a imprensa brasileira pode ou não pode publicar.