Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Marcelo Beraba

‘A Folha noticiou, na quinta-feira, que a Polícia Federal havia quebrado o sigilo do telefone de sua Sucursal de Brasília instalado no comitê de imprensa da Câmara dos Deputados e do celular de uma de suas repórteres. Os números estavam na memória do celular de Gedimar Passos, um dos petistas investigados pela tentativa de compra de um dossiê contra tucanos durante a eleição. De acordo com a PF, foi pedida, e concedida pela Justiça, a quebra do sigilo de 168 números, entre eles os da Folha.

A PF alegou que não sabia que os telefones eram do jornal e informou que descartou qualquer investigação assim que constatou que as ligações foram feitas depois das prisões. Deduziu que eram para obter mais informações sobre o caso. Em nota oficial, a PF afirmou que não teve a intenção de investigar o jornal. O delegado responsável pelo inquérito justificou que apenas cumprira um procedimento padrão ao pedir a quebra do sigilo. O diretor-geral da PF, Paulo Lacerda, considerou que a ação do delegado estava ‘dentro do razoável’.

Embora garanta que não prosseguiu na investigação da Folha quando percebeu que os telefones eram da empresa, as informações obtidas na quebra do sigilo constam do relatório feito pelo setor de inteligência da PF, incluído no inquérito policial e remetido à CPI dos Sanguessugas.

A Folha reagiu, como é do seu estilo sempre que se sente atacada. Falou pela empresa, na quinta-feira, o seu diretor jurídico, Orlando Molina: ‘A quebra do sigilo de telefone utilizado por profissionais da imprensa importa em monitoramento abusivo da atividade jornalística, o que sem dúvida configura violação do sigilo da fonte, previsto na Constituição e na Lei de Imprensa’. O jornal publicou uma página sobre o caso na quinta-feira, outra na sexta, além de um editorial (‘Direitos ameaçados’), e ouviu advogados, ex-ministros da Justiça e associações de classe que condenaram a ação da polícia por considerá-la um cerceamento à liberdade de imprensa. Na nota que divulgou, a PF afirmou que ‘entende da maior importância o primado das liberdades de imprensa e expressão na vigência do Estado Democrático de Direito’. O ministro da Justiça declarou que tem ‘o maior respeito pela imprensa’ e atribuiu a uma ‘ressaca pós-eleitoral’ a tensão que marcou a relação entre governo e imprensa nos últimos dias.

Os leitores

Os leitores que escreveram para o ombudsman se dividiram diante da notícia e de sua repercussão. Alguns foram solidários com o jornal. ‘No que concerne à quebra de sigilo da Folha, merece uma ação dura para inibir tais procedimentos ou será muito tarde’ (não me sinto em condições de identificar os leitores que citarei porque não tive condições de obter autorização). ‘Como mandar grampear os telefones sem apontar os proprietários ou assinantes? Se isso fosse legal, não haveria empecilho para a polícia fornecer o número do telefone do presidente da República omitindo esse fato do juiz e solicitando a quebra do sigilo.’

Vários leitores reagiram mal, reavivando o clima hostil dos últimos dias da campanha eleitoral. ‘Logo a Folha, que vive bisbilhotando a vida das pessoas, divulgando informações vazadas ilegalmente, muitas delas protegidas por sigilo, vir agora fazer um estardalhaço porque um telefone seu, instalado sabe-se como dentro de um órgão público, foi incluído numa relação de mais de 100 telefones que tiveram sigilo quebrado??!!’ Outra leitora considerou a reação do jornal um ‘despropósito’ e um ‘exagero’: ‘A Folha tentou transformar marola em maremoto’.

Não acho que a Folha tenha exagerado a reação no primeiro dia, quando noticiou a quebra do sigilo. É legítimo que tenha se defendido de uma ação que, independentemente da intenção dos policiais, violou o direito constitucional de proteger a fonte. O noticiário de sexta abre espaço para as razões da Polícia Federal. Ontem o caso já esfriava.

Contradição

Há, no entanto, um aspecto nesse caso que exige a reflexão da Folha e dos outros meios. No caso da Folha, há uma contradição grave entre a opinião do jornal, expressa em seus editoriais, e a prática jornalística. O editorial ‘Direitos ameaçados’, de sexta-feira, defendeu, e não foi a primeira vez, uma premissa que considero correta: ‘O despreparo e o comodismo de policiais que confundem investigação com quebra de sigilo a mancheias, endossados pela atitude de Pilatos de muitos juízes, constituem ameaça constante aos direitos dos cidadãos no Brasil’.

Faltou acrescentar: e a imprensa se beneficia desses expedientes. Agora mesmo, na investigação do dossiê, e em casos antigos, como o de Eduardo Jorge (governo FHC), constatamos a contradição. O jornal pede, com razão, que a polícia (acrescento: e o Ministério Público, e a Justiça e as CPIs) seja menos leviana, mas não hesita em publicar as informações que vazam a conta-gotas, sem qualquer prova, de inquéritos inconclusos. E, no caso do dossiê, são informações que resultam da quebra dos sigilos telefônicos dos ex-petistas envolvidos na trama. Algumas notícias chegam a ser incompreensíveis, tão fragmentadas e incompletas estão.

Vários leitores tocaram nesse ponto. Concluo com a reprodução de um trecho de uma das mensagens: ‘Nenhuma pessoa em sã consciência pode concordar com qualquer abuso de autoridade que ponha em risco as liberdades democráticas. Entretanto, nos últimos anos e, principalmente, durante o processo eleitoral, jornais como a Folha e o ‘Estado de S. Paulo’, além de revistas como a ‘Veja’, criaram a figura da ‘presunção de culpa’. Todos eram culpados até que se provasse o contrário. O ônus da prova passou a ser do acusado e não do acusador. E as manchetes dos jornais foram fartas nessa direção (…). Até provas consideradas ilegais pela Justiça vieram às páginas dos jornais, atitude defendida com base na liberdade de imprensa. Agora, a Folha é vítima do próprio instrumento que alimentou e fortaleceu nos últimos tempos. Mesmo assim somos solidários ao jornal, pois não concordamos com esse tipo de atitude’.’



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‘Notícias de São Paulo’, copyright Folha de S. Paulo, 12/11/06.

‘Recebi do editor de Brasil, Fernando de Barros e Silva, via Secretaria de Redação, uma contestação em relação ao artigo que publiquei no domingo passado, ‘O debate necessário’. Fiz uma crítica em relação a alguns aspectos que considero importantes da cobertura eleitoral e escrevi: ‘E devem ser criticados [os meios] pelo que deixaram de fazer. As administrações tucanas no Estado e na cidade de São Paulo, por exemplo, foram mal cobertas. Evidência desse desinteresse, no caso da Folha, é que a informação sobre o déficit financeiro do Estado só apareceu no finalzinho do primeiro turno e por esforço da colunista Mônica Bergamo -fora, portanto, da cobertura rotineira do jornal’.

Barros e Silva questionou: ‘Não só publicamos reportagem sobre o assunto antes, como buscamos dar seqüência ao furo com outro furo: a tentativa de vender ações da Nossa Caixa para cobrir o rombo’. Ele tem razão em relação ao déficit, como prova a cópia que me enviou da reportagem que desconsiderei. ‘Sem dinheiro, Lembo segura gastos em SP’, publicada em 10 de junho, mostra que a editoria estava atenta para o déficit herdado de Geraldo Alckmin. As notas na coluna de Mônica Bergamo saíram no dia 27 de setembro.

Ele tem razão, mas mantenho a avaliação de que as administrações tucanas no Estado e na cidade de São Paulo foram mal cobertas.

Embora o assunto do déficit fosse de interesse principalmente dos leitores de São Paulo, a notícia do dia 10 de junho só teve destaque na Primeira Página na Edição Nacional.’