A esperança está nas bancas
A imprensa brasileira, como os principais jornais do mundo, reproduz hoje a imagem de um muro da cidade de Washington onde as pessoas estão escrevendo mensagens para o provável futuro presidente dos Estados Unidos, Barack Obama.
A inscrição principal diz tudo que representa o sentimento comum criado pela eleição de Obama: ‘Como um só planeta, nós podemos interromper a catastrófica mudança climática, proteger os direitos humanos, promover a paz e eliminar a pobreza’.
Os jornais retratam o otimismo, ou pelo menos a esperança que se manifesta por toda parte, mas não deixam de mostrar o tamanho do desafio que se coloca diante de Obama.
Hoje, a imprensa se mobiliza para a primeira entrevista coletiva do presidente eleito, e as edições de final de semana devem trazer um balanço da situação que o espera.
Além de ter que enfrentar uma inusitada sucessão com seu país envolvido em duas guerras, Barack Obama terá que administrar um orçamento comprometido pela crise financeira gerada nos Estados Unidos e que ainda se espalha pelo mundo.
Algumas das medidas defendidas por seus consultores devem ser antecipadas e anunciadas antes da posse.
Mas nenhum dos grandes jornais brasileiros se arriscou a adivinhar quais serão as reações do mercado: o que para o cidadão comum pode parecer racional, como a criação de um sistema de regulação de risco para instituições financeiras, pode ser recebido como uma interferência indevida do Estado.
A concessão de poder de veto de acionistas para os acordos de incentivos milionários para altos executivos também pode ser recebida como excesso de regulamentação em assuntos de interesse privado.
Outras decisões que devem ser anunciadas hoje tanto podem trazer otimismo e aquecer os negócios como esfriar ainda mais os ânimos num mercado já submetido a grandes oscilações.
Barack Obama tem que administrar ainda a desconfiança de parceiros tradicionais e aproximar os muitos desafetos que a política belicosa do governo Bush produziu ao redor do mundo.
Além disso, tem que garantir o bem-estar dos milhões de americanos ameaçados de perder seus bens no turbilhão da crise.
Não é pouco, mas se existe uma possibilidade de mudança nos rumos que conduziram a humanidade ao atual ponto de crise, ela se consolida com o resultado da eleição americana.
Essa é a mensagem que pode ser captada na leitura dos jornais de hoje, e a semana se encerra sob o signo da esperança.
O eterno dilema do jornalismo
Alberto Dines:
– Nesta quarta-feira, depois da emocionante eleição nos EUA, ficou novamente evidente o binômio que preside a imprensa diária: atualidade + qualidade da informação. De nada adianta oferecer textos bem escritos, bem apurados, mas desligados da atualidade. O corolário também é valido: pouco ou nada servirá uma notícia de última hora sem um lastro mínimo de informações. No entanto, todos os veículos impressos são limitados por horários rígidos, se não rodam até uma determinada hora correm o risco de não chegar às mãos dos leitores. No Brasil sabia-se de antemão que os resultados finais do Colégio Eleitoral americano seriam conhecidos de madrugada. Como de hábito, os grandes jornais organizaram-se de modo a oferecer resultados parciais em edições sucessivas deixando o resultado final para o maior número possível de leitores. A ‘corrida’ aparentemente foi ganha pelo Estado de S. Paulo, que conseguiu chegar aos assinantes e às bancas com a notícia do triunfo de Barack Obama, Mesmo o Globo (impresso no Rio) chegou a S. Paulo com a vitória de Obama obtida com base nas pesquisas. A Folha de S.Paulo com mais chances graças à tiragem maior contentou-se em oferecer aos leitores uma manchete inconclusa sobre a maciça presença de eleitores. A manchete histórica ficou para o dia seguinte, ontem. O Valor Econômico, o mais completo no seu segmento, conscientemente abriu mão de concorrer com os gigantes: não publicou uma linha sequer sobre as eleições. Na realidade inseriu um comentário de duas linhas assinado por Fidel Castro (p.A-15). Preferiu não publicar notícia alguma a oferecer uma informação incompleta. A estratégia de Valor nos remete ao centenário jornal americano Christian Science Monitor, que acaba de anunciar o fim da sua edição impressa. Trata-se de um dos melhores jornais dos EUA, com visual primoroso, denso, bem escrito, com elevado padrão cultural e nenhum compromisso com a atualidade, tanto assim que era distribuído aos assinantes pelo correio. Desafiou ostensivamente o binômio vital: qualidade e atualidade.