A imprensa cria monstros
A decisão do desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, de proibir o jornal O Estado de S.Paulo de publicar dados relativos ao envolvimento do empresário Fernando Sarney, obtidos em investigação criminal sob sigilo judicial, está se transformando em objeto interessante para estudo das relações entre a imprensa e a Justiça.
Baixada no dia 31 de julho deste ano, a medida foi imediatamente desqualificada pelo jornal, que levantou informações sobre o magistrado e demonstrou que ele não apenas tem relações sociais com a família Sarney como insinuou que ele fez parte do conjunto de apaniguados que formam a rede de influências do presidente do senado, pai do empresário sob investigação.
O Estadão ingressou com uma sucessão de recursos, considerando que derrubaria facilmente a proibição de citar o envolvimento de Fernando Sarney em atividades criminosos descobertas na investigação que a Polícia Federal batizara de Operação Boi Barrica.
Boi Barrica é o nome de um grupo folclórico do Maranhão que tem apoio da família do presidente do Senado.
A pedido dos organizadores do grupo, a PF mudou recentemente o nome para Operação Faktor.
Mas a investigação segue sob sigilo judicial, fato que deveria ser levado em conta nas discussões sobre a restrição imposta ao jornal paulista.
Nenhuma das instâncias a que o jornal recorreu lhe deu ganho de causa no sentido de suspender a decisão do desembargador Dácio Vieira, e o caso chegou ao Supremo Tribunal Federal, que sem julgar o mérito, rejeitou a petição do jornal por 6 votos a 3.
A sucessão de recursos está publicada na edição desta segunda-feira do Estadão.
A leitura da saga do jornalão paulista contra o que considera censura permite uma análise menos passional do episódio e levanta uma hipótese: a de que a própria imprensa tenha contribuído para transformar o Judiciário em um “frankenstein” institucional, ao lhe atribuir o papel de corrigir supostos desvios dos demais poderes.
A imprensa transformou os ministros do Supremo Tribunal Federal, em especial seu presidente, Gilmar Mendes, em verdadeiras celebridades.
Os ministros parecem ter gostado de ser erigidos em salvadores da pátria.
Agora, quem vai salvar a imprensa de seus salvadores?
O ministro evaporou-se
Alberto Dines:
– Chocante e surpreendente. A decisão do Supremo Tribunal Federal ignorando a censura imposta ao Estado de S. Paulo, há 136 dias, confirma o grande vilão no elenco de ameaças à liberdade de expressão: a censura judicial. O placar de 6 a 3 foi uma das surpresas, já que o mesmo tribunal aprovou por ampla maioria há poucos meses a extinção integral da Lei de Imprensa e o fim da obrigatoriedade do diploma para o exercício do jornalismo, duas decisões consideradas “liberais” para desobstruir qualquer entrave ao livre fluxo das informações.
Não é difícil identificar entre os ministros que votaram a favor do arquivamento do recurso apresentado pelo Estadão, contumazes apoiadores do Executivo e discretos amigos do senador Sarney – o grande beneficiado e o maior interessado na manutenção da censura. A notável surpresa e o desconcertante mistério da votação da quinta-feira, situam-se no súbito desaparecimento do ministro Marco Aurélio de Melo do plenário.
O magistrado compareceu à sessão, participou dos primeiros debates, aparentemente ficou contra o relator Cesar Peluzo e, de repente, evaporou-se. Sumiu. Não votou. Isso é grave, gravíssimo. Afinal ele foi escolhido e é pago para manifestar-se, contra, a favor ou até para abster-se quando se sente impedido. Omitir-se, nunca. Seu compromisso com a sociedade obriga-o a pronunciar-se, a não ser que tivesse sido acometido de mal súbito, o que não aconteceu. Mesmo sabendo que o seu voto não alteraria o resultado final, sua obrigação era votar.
O placar numa decisão judicial colegiada entra para os anais, incorpora-se à jurisprudência. O ministro Marco Aurélio precisa explicar-se. Único a votar a favor da exigência do diploma, o seu voto na questão da censura judicial, qualquer que fosse o seu teor, teria enorme peso. A decisão do STF foi vergonhosa, a indecisão do ministro mais preocupante.