Os pingos nos is
Depois de semanas repetindo que os planos de regulamentação da mídia são uma tentativa de restabelecer a censura, a imprensa, ou pelo menos parte dela, parece ter entendido que desviar um assunto não resolve.
Queiram ou não as empresas de comunicação, o tema persiste e será levado adiante, porque os avanços tecnológicos e as mudanças na sociedade exigem uma revisão das normas de funcionamento do sistema de comunicação social.
Nesta segunda-feira, o Estado de S.Paulo abandona o velho discurso negativista, que contribuiu para distorcer as informações levadas aos leitores sobre o assunto, e apresenta uma entrevista esclarecedora de uma especialista internacional sobre o projeto brasileiro de normatização.
A jurista Eve Salomon, apresentada como consultora internacional em regulamentação de mídia e lei de imprensa, trabalha para a Unesco – Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura – e para a divisão de Direitos Humanos do Conselho da Europa.
É também autora do Guia da Unesco de Regulamentação para Rádio e TV.
Trata-se, portanto, de personagem altamente especializada e figura distante dos supostos trogloditas petistas que, segundo a imprensa brasileira, estariam apenas interessados em restabelecer a censura e impor restrições à prática do jornalismo.
E o que diz a especialista?
Apenas o óbvio, que a imprensa vem omitindo desde que resolveu tratar do assunto: que o País precisa ter uma estratégia ampla para o sistema de radiodifusão, que seja de interesse da sociedade, e não apenas das empresas.
Em palavras muito simples, a consultora explica que “censura significa impedir que alguma coisa seja transmitida ou impressa”, enquanto a regulação é o estabelecimento de responsabilidades por aquilo que é transmitido ou impresso.
E por que ter uma agência reguladora da mídia?
– Porque é muito mais rápido, mais barato e mais simples do que apelar para o Judiciário.
Segundo a entrevistada, o modelo proposto ao governo brasileiro trata apenas de assegurar a privacidade das pessoas, proteger as crianças e garantir que as notícias sejam acuradas.
Simples assim. O resto é desinformação.
Um debate limitado
Alberto Dines:
– O PT quer um debate qualificado sobre o conservadorismo “incrustado em setores da sociedade e dos meios de comunicação”; A resolução adotada pelo Diretório Nacional na última sexta- feira (quando a presidente eleita já havia se retirado do recinto) recomenda ainda que as discussões “sejam realizadas em um ambiente que respeite a liberdade de imprensa e de expressão.” Estamos avançando, parabéns: debater é democrático e, além disso, um partido mesmo vitorioso, precisa ficar de olho no futuro e preocupar-se com o avanço das idéias contrárias.
Mas este partido não pode ignorar o número de eleitores que votou contra ele nas recentes eleições nem o fato de que estes eleitores são os que lêem jornais, revistas e conseguem contextualizar o noticiário cotidiano transmitido pelo rádio e a TV. A grande verdade é que a sociedade brasileira sempre foi conservadora, jamais conseguiu ser verdadeiramente progressista, tanto assim que aceitou uma ditadura ao longo de 21 anos engabelada pela miragem do “milagre”. E, para eleger Lula em 2002, o PT precisou escolher como candidato a vice um empresário essencialmente conservador.
A mídia oferece ao seu público aquilo que atende aos interesses de ambos. Impedi-la de cumprir a sua parte neste contrato seria uma violência. O ideal seria que ao lado do Bolsa-Família, o governo desenvolvesse um mutirão nacional pela alfabetização e pelo incremento do hábito de leitura, de modo que dentro de alguns anos surja naturalmente um mercado para uma imprensa não-conservadora, popular, embora seja grande o risco de que esta nova imprensa absorva o mesmo e velho conservadorismo pequeno-burguês incrustado na sociedade. O que surpreende mesmo nesta proposta do PT é a sua opção pelo “pensamento único”, o mesmo que o partido combateu com tanto fervor nos anos 90.