CRISE POLÍTICA
Alberto Dines
Almoço grátis e tragédia anunciada, 16:52 17/11
‘Pai do liberalismo econômico num após-guerra marcado pelo intervencionismo, Milton Friedman foi injustiçado nos necrológios. O aforismo ‘não há almoço grátis’, por ele popularizado, tem um sentido trágico que transcende à aparência de máxima empresarial.
Cada escolha tem preço, cada opção tem custos, impossível escapar ileso de algum dilema. Todos são dilacerantes, literalmente, como o comprova ‘A Escolha de Sofia’, de William Styron, que se foi duas semanas antes de Friedman.
Na verdade, tanto o Estado todo-poderoso e pesado, como os mercados aparentemente ágeis e criativos, carregam imensas cargas de culpas. A conta dos almoços, na realidade, depende do restaurante, dos comensais e, principalmente, da dieta adotada.
O segundo mandato do presidente Lula já começou. Mesmo que a nova equipe sequer tenha sido montada, o almoço começou depois do jantar, na noite de 29 de outubro, quando o candidato Lula, ao invés de tirar a camiseta da campanha, fingiu que vestia a do entendimento nacional enquanto mantinha aceso o lança-chamas do confronto.
Estas semanas iniciais do novo mandato parecem incrivelmente velhas. A disputa e o triunfo eleitoral não conseguiram definir um projeto nacional e no plano gerencial mantém-se a impressão de que os murros na mesa, por mais freqüentes que sejam, continuam insuficientes para tirar a máquina da inércia.
Esqueçamos a operação destinada a esvaziar a importância do Dossiê Vedoin, esse é um caso que só será esclarecido no momento em que a cultura da impunidade for definitivamente varrida do nosso mapa moral, isto é: no dia do São Nunca. Até lá a culpa será da mídia que ousou noticiar uma operação da Polícia Federal. A propósito: onde anda o ex-candidato Orestes Quércia, o primeiro a utilizar-se do conteúdo do dossiê?
Mais grave, porque mais dolorosa e custou 154 vidas, é a tragédia do Boeing. O relatório preliminar da Aeronáutica aponta para um conjunto de falhas, sobretudo de comunicação. Ainda não é conclusivo e, evidentemente, não incrimina o governo.
O governo incriminou-se de forma voluntária, quase suicida, através da irresponsável politização da tragédia e da insistência em ignorar sua relação com o estado do controle aéreo no País. A decisão desta quinta-feira de só considerar atrasados os vôos que partirem 30 minutos depois da hora aprazada (e não mais 15) desnuda uma forma de governar só compatível com os avestruzes obstinados em viver com a cabeça enfiada na areia.
Com medo das estatísticas, revogam-se as disposições em contrário. Isto é, revoga-se a verdade e estamos conversados. O cidadão continuará chegando aos aeroportos sem saber a que horas chegará ao destino, mas isso só ficará visível se a situação tornar-se calamitosa ou caótica.
Antes mesmo do apagão aéreo produzido pelos controladores de vôo, evidenciava-se a relação entre o desastre do Boeing e a situação nas torres de controle do espaço aéreo nacional. A operação-padrão decidida pelos servidores não é fato isolado, é conseqüência direta da colisão.
Os primeiros controladores que se licenciaram para tratamento médico-psicológico não exigiam coisa alguma. Estavam simplesmente arrasados com o que aconteceu. Viveram o desespero das 28 tentativas frustradas de contato entre o jato Legacy e a torre de Brasília, então decidiram que algo precisava ser feito.
Os preconceitos e pré-juízos emitidos pelo ministro da Defesa ao longo de quase dois meses, mas principalmente entre o primeiro e segundo turno, revelam não apenas um desprezo pela transparência, mas uma forma de governar calcada na retórica (a palavra apropriada seria engodo, descartada por respeito à sua biografia política).
Como todos, o ágape fúnebre não será grátis. A escolha desta forma de governar nações é útil quando se adota o princípio da eleição permanente e as cobranças são adiadas para o outro exercício ou mandato. Em algum momento, virá o acerto de contas. Nada é gratuito: escolher e sofrer são verbos sem afinidades aparentes. Mas contíguos.
* O articulista estará ausente nas próximas duas semanas.’
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