Todo poderoso Sarney
A revista Veja desta semana reforça o arsenal de acusações contra o presidente do Senado, José Sarney, com uma revelação bombástica: a de que ele pode ter se beneficiado de relações com o ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira, do falido Banco Santos, para manter conta irregular no exterior.
Na sua edição desta segunda-feira, o Estado de S.Paulo aborda diretamente o tema da quebra do decoro parlamentar por parte de Sarney: ele mentiu deslavadamente quando afirmou que não é responsável pela administração da Fundação que leva seu nome, e que vem sendo acusada de desviar recursos recebidos da Petrobras com base na Lei Rouanet.
No entanto, até agora nenhum jornal e nenhuma revista cita explicitamente a possibilidade de o veterano senador ter o mandato cassado.
Afora uma ou outra declaração ainda tímida de representantes da oposição, admitindo que Sarney pode ser investigado, ninguém parece se animar para fazer a pergunta que está na cabeça de muitos brasileiros: por que o presidente do Senado ainda merece tamanho respeito de seus colegas e de parte da imprensa?
Afinal, o Estadão já demonstrou que o presidente do Senado é o presidente vitalício da Fundação José Sarney, que há documentos com sua assinatura no contrato com a Petrobras e que ele mentiu diante de seus pares.
Quanto aos demais senadores, continua claro que o poder acumulado por Sarney nos muitos anos de vida pública lhe permitiu colecionar informações suficientes para manter a maioria sob seu controle.
Até mesmo os mais agitados animadores de outros escândalos andam na muda, após o vazamento de denúncias sobre mau uso de verbas de representação e irregularidades ligadas aos atos administrativos secretos.
Mas, e quanto à imprensa?
O que será que aconteceu durante o período em que José Sarney foi presidente da República, que o faz hoje um homem praticamente imune, apesar de estar no centro de um dos maiores escândalos da história do Brasil?
E se a imprensa estiver envolvida, quem vai contar essa história?
O amigo da Folha
Alberto Dines:
– O apaixonado artigo de Saulo Ramos, domingo, na Folha de S. Paulo, em defesa de José Sarney, pode ser lido de duas maneiras. A primeira, como um esforço do jornal em equilibrar o debate em torno do senador-colunista. Como a mídia é majoritariamente anti-Sarney – e aparentemente com sólidas razões para isso – a Folha estaria a procura de uma diversidade a fim de dissipar a impressão de que nossa grande imprensa é monolítica e funciona como um pool.
A outra leitura sugerida pelo artigo desvenda o grau de comprometimento do jornal com o ex-presidente da República. É preciso não esquecer que Saulo Ramos é amigo da casa, escreve com alguma freqüência na página três e tão logo Sarney terminou o seu mandato assumiu imediatamente o papel de seu defensor ostensivo.
Já naquela época corriam insistentes informações nos bastidores da Capital Federal sobre insólitos negócios patrocinados pelo grupo que deixava o poder. As investigações não prosseguiram, em parte, para não macular o primeiro mandato de um civil depois dos 21 anos de ditadura militar. Quando Fernando Collor entrou no clima de licenciosidade, então a mídia sentiu-se livre para escancarar as falcatruas do segundo presidente civil.
A extremada defesa de Sarney vocalizada agora por Saulo Ramos não responde a qualquer uma das denúncias contra o presidente do Senado publicadas inclusive pela Folha, embora de forma constrangida. É a defesa de um amigo ou parceiro, na base de uma retórica subjetiva, distante do objetivo de estabelecer um clima de objetividade jornalística.
E torna ainda mais suspeita a obsessão do jornal em manter Sarney como articulista, contrariando sua praxe de dispensar os que ocupam cargos nos altos escalões. À Folha só resta uma saída: contratar Saulo Ramos para escrever uma coluna diária em defesa de Sarney. Será mais transparente, mais jornalístico e mais empolgante. Sua primeira tarefa será explicar a história da conta JS-2 do Banco Santos que pertencia ao amigo comum, Edmar Cid Ferreira.