As vísceras do Senado
A quantidade de espaço dedicada à crise mesquinha do Senado decorre talvez mais do peso de Brasília no jornalismo brasileiro do que da importância da câmara alta na vida nacional. É claro que a maneira como se resolverá o destino de eminências peemedebistas terá repercussão no rumo político do governo Lula. Mas é preciso fazer ginástica mental para associar esses episódios a questões programáticas e políticas públicas que melhorem ou piorem a vida do povo. O que de mais útil poderia resultar da visão das vísceras do Senado seria uma compreensão ampla do funcionamento da democracia brasileira. Mas há poucas chances de que isso ocorra.
Na foto do Pan
Seria útil que algum especialista explicasse o que ganham em prestígio personalidades que aparecem em imagens vinculadas à realização do Pan 2007. O presidente Lula, que se tornou muito hábil no manejo da imagem pública, é freguês de carteirinha do noticiário sobre o Pan. Mesmo que isso se traduza em fazer o discurso reacionário clássico a respeito da criminalidade.
O público de Lula
Por sinal, Ancelmo Gois informa hoje no Globo que uma pesquisa mostrou mais apoio a Lula de gente que se classifica na direita do que de gente que se classifica na esquerda. Isso não é nada bizarro. Correspondente simplesmente ao fato de que a maioria da população brasileira se situa politicamente do centro para a direita.
Ouvir os moradores
Em junho de 1990, seis repórteres do Jornal do Brasil moraram em barracos alugados em três favelas do Rio. Uma delas foi a Nova Brasília, no Complexo do Alemão. Disso resultou o livro A Violência que Oculta a Favela, hoje esgotado. Desde então, houve um grande retrocesso. Há anos os jornalistas do Rio começaram a se sentir expulsos de favelas e bairros pobres onde agem quadrilhas armadas. Isso se agravou com o assassinato de Tim Lopes, da Rede Globo, há cinco anos. Repórteres passaram a usar coletes à prova de bala e a ficar atrás da polícia. Na sexta-feira passada, o repórter do Estado de S. Paulo Bruno Paes Manso fez algo de que os repórteres do Rio de Janeiro há tempos abdicaram: entrou no morro para ouvir os moradores sobre a operação bélica feita pela polícia em favelas do Alemão. Por intermédio de dirigentes da ONG AfroReggae, ele teve permissão dos traficantes para circular.
Bruno Paes Manso diz que não se pode abdicar de ouvir um dos lados da história.
Bruno:
– Se fosse no Iraque, por exemplo, você conhecer os dois lados e mandar um jornalista aqui do Brasil para cobrir o Iraque, você expõe a vida do jornalista. Faz parte da profissão. Agora, uma guerra em seu país, que diz respeito a um problema seu, da sua realidade, você se omitir dessa forma e simplesmente deixar de cobrir um lado, e fechar com apenas um dos lados eu acho uma opção que tem que ser revista. Não adianta simplesmente dizer: “Ah, nós estamos muito expostos e vamos fechar um pacto aqui de que não vamos expor a vida dos jornalistas porque não dá, porque os traficantes estão muito abusados, imprevisíveis”…
Quando você entra com um certo objetivo, de tentar compreender, mesmo, tomando os cuidados necessários – e no Rio você tem lideranças muito legitimadas, que são respeitadas tanto por policiais como por traficantes; lá você tem realmente pessoas surpreendentes, muito bem articuladas e muito cientes desse papel delas, de intermediar conflitos, de fazer esse canal, a fim de ajudar, que compreendem a necessidade de trazer outras coisas à tona –… simplesmente se omitir de entrar eu acho que é um erro da imprensa que a gente não pode deixar passar batido. Isso tem que ser discutido. Tem riscos. Mas eu acho que o desafio é conseguir entrar e ouvir, porque tem um problema do tráfico gravíssimo que tem que ser combatido, mas você tem 100 mil pessoas morando lá, também. É um mundo.
Clique aqui para ler a entrevista completa de Bruno Paes Manso.
Dois modos de contar mortos
O Globo destaca que, dos 19 mortos oficialmente contados na operação do Alemão, 11 tinham antecedentes criminais. O Estadão destaca que oito não os tinham.
Construção competente
No Globo de hoje, uma ponta de involuntária lucidez em editorial a favor das táticas policiais de “guerra”. É a frase “O que acontece no Complexo do Alemão é o desfecho de uma tragédia urbana construída com muita competência durante décadas”.
Educação sem mestres
O Estadão é o único dos grandes jornais que acerta hoje ao dedicar a manchete à informação de que há um déficit de 246 mil professores em colégios públicos de ensino médio. Nenhuma notícia mais relevante, tristemente relevante, foi divulgada ontem.