Lições de um mestre
O escritor e jornalista Gay Talese, principal representante do jornalismo literário nos Estados Unidos, encantou algumas dezenas de jornalistas na entrevista coletiva realizada nesta quinta-feira durante a Festa Literária Internacional de Parati.
Ele demorou 40 minutos para responder a primeira de cinco perguntas, sobre como realiza pesquisas para seus livros.
Talese contou como decidiu viajar para Pequim, em 1999, após assistir na televisão um jogo de futebol feminino entre as seleções dos Estados Unidos e da China, no qual uma jogadora chinesa cometeu uma falha e provocou a derrota do seu time.
Ele entendeu que aquela jovem representava o espírito chinês da perseverança, e tentou obter o apoio de alguma revista ou jornal para o projeto de entrevistar a jovem.
Mas ninguém se interessou, porque, afinal, ponderou, a imprensa não se interessa por perdedores.
Ele acabou viajando por conta própria, e durante dez dias viu sua história evoluir para um dos contos que compõem seu livro intitulado Vida de Escritor, que seria lançado nesta sexta-feira durante a Flip.
Durante mais de uma hora, tempo que levou para explicar apenas como escrevera esse conto, ele ofereceu algumas lições de jornalismo que andam esquecidas há pelo menos uma década.
Nesse texto, ele reproduz o que colheu em depoimentos da mãe e da avó da atleta, e compõe uma bela história sobre três gerações de mulheres chinesas.
Uma de suas lições aos jornalistas: vá até o lugar da notícia, apresente-se, de preferência de uma forma agradável e elegante, e não terceirize a tarefa de recolher as histórias.
Você não sabe o que vai encontrar no local do acontecimento. Então, tem que estar lá.
E a última e mais preciosa recomendação, que anda esquecida nas redações: jornalismo não é feito de competitividade, mas de qualidade.
Entulho autoritário
Comentário de Alberto Dines:
– “Entulho autoritário” – foi este pretexto para anular integralmente a Lei de Imprensa e logo em seguida para acabar com a exigência do diploma para o exercício de jornalismo. A justificativa é pueril, míope, porque nem todos os decretos, leis e decisões adotadas no período 1964-1985 tinham obrigatoriamente teor autoritário. Veja-se o caso da Lei do Divórcio. Foi um ato discricionário imposto pelo governo Geisel, porém aceito com entusiasmo por todas as classes e segmentos sociais. Só não agradou à Igreja, aliás, foi concebido como resposta do governo à pressão da CNBB contra os desmandos do regime militar. A Emenda Nº 9 que instituía o divórcio foi o primeiro ato depois do Pacote de Abril de 1977 que fechou o Congresso e estabeleceu uma série de drásticas medidas destinadas a evitar a vitória da oposição nas eleições seguintes. Para dourar a amarga pílula e conquistar a opinião pública, o governo então apressou a aprovação da Lei do Divórcio. Significa que a lei deve ser anulada só porque foi imposta despoticamente? E o Pró-Álcool, deve ser desfeito só porque foi iniciado por um ditador, aliás o mesmo Ernesto Geisel? O estigma de “entulho autoritário” precisa ser usado com cautela porque simplifica e subverte o debate. Impede inclusive que possamos identificar a natureza claramente arbitrária da obsessão desregulamentadora que hoje ameaça diversos setores da vida nacional com a anarquia e a selvageria.