Segundo números oficiais da Unesco, e corroborados pela indústria editorial, o cidadão mexicano médio lê 1,5 livro por ano, quando muito. Pouco habituado a textos mais profundos, e com limitados recursos para esse luxo, se diverte com revistas de fofocas televisivas (as duas maiores, TVyNovelas e TVNotas, vendem, juntas, 1 milhão de exemplares por semana), histórias em quadrinhos e pornografia.
As explicações para a situação são várias e contraditórias, mas, como no Brasil, a culpa maior recai sobre o preço médio salgado dos livros, que oscila em 20%, entre 15 e 20 dólares, dependendo de onde o leitor compra seu exemplar – livrarias, supermercados ou na poderosa rede de drugstores Sanborn´s. Ou, fenômeno mais recente, a precinhos nem sempre mais camaradas nas edições piratas disponíveis nas calçadas do Centro Histórico da Cidade do México (Código Da Vinci, Harry Potter e Paulo Coelho são os mais vendidos).
Há muitos anos as editoras determinam preços diferentes para os livros, de acordo com suas conveniências e interesses, tornando mais difícil sua aquisição e agravando o baixo índice de leitura no país. Enquanto isso, fecham livrarias (resistem ainda cerca de 400 em todo o país, 40% delas na capital), o sistema público de bibliotecas está deteriorado, o governo atual dispensa parca atenção às atividades culturais como um todo.
Em março último, o Senado mexicano deu um passo importante para a solução dessa problemática tão complexa, ao aprovar por unanimidade a Lei de Fomento para a Leitura e o Livro, estabelecendo o preço único para o livro e criando um Conselho de Estímulo a Leitura, integrado por governo e sociedade. A lei agora vai a Câmara de Deputados para sua aprovação definitiva, mas não deverá sofrer modificaçoes maiores.
Com base em experiências similares feitas na Alemanha, França e Espanha – e respeitando as características peculiares do próprio mercado interno – os legisladores mexicanos, assessorados por especialistas da indústria editorial e dos meios culturais, criaram barreiras formais para que, entre outras coisas, não se permita elevar de forma exagerada o preço do livro, sob o manjado pretexto de distâncias e custos de distribuição, em qualquer região do país.
Deve acabar, ou pelo menos diminuir bastante, a brava e inglória luta das livrarias mais modestas, que mal sobrevivem driblando as pressões dos atacadistas do ramo com condições de oferecer descontos maiores ao manejar grandes volumes de mercadorias. A partir de agora, ‘toda pessoa física ou jurídica que edite ou importe livros estará obrigada a fixar um preço único de venda ao público’. Este preço ficará registrado numa base de dados da Câmara Nacional da Indústria Editorial Mexicana, e aberta para consulta pública.
Problema cultural
Determinado o preço único, este deverá ser respeitado também pelos distribuidores e pontos de vendas. A idéia é fazer com que a indústria editorial, uma das maiores da América Latina (edita 5 mil títulos por ano, 90 milhões de exemplares), recupere o dinamismo dos velhos tempos, aumentando o volume de livros em disponibilidade ‘física e econômica’, tornando-os mais acessíveis a toda a população. A experiência européia, dizem os especialistas, obrigou editores e livreiros a diversificar suas ofertas ao consumidor, no fundo competindo não tanto pelo lucro, mas pela qualidade do serviço.
Há divergências. Em entrevista ao jornal El Universal, o acadêmico Alejandro Villagómez, do Centro de Investigação e Docência Econômica (CIDE), entidade respeitada nos meios culturais, diz que ‘nao existe um único estudo no mundo que prove que o preço seja um fator que aumente ou reprima a leitura. O problema é cultural: ainda que se dessem livros de presente neste país, os mexicanos não leriam mais. Essa medida, a do preço único, só vai afetar os leitores, distorcendo ainda mais o fraco mercado editorial mexicano, protegendo as editoras ineficientes e obrigando os consumidores a pagar mais: está na cara que editoras vão selecionar o preço único mais alto’.
Responde, na mesma matéria, o presidente da Câmara Nacional da Indústria Editorial Mexicana (Caniem), José Ángel Quintanilla: ‘A idéia básica da lei, entre outros benefícios, é proteger os canais de distribuição tradicionais, as livrarias, das investidas de outros pontos de vendas – caso, por exemplo, das cafeterias muito populares no México, como Sanborn´s e Vip´s, e supermercados e lojas de departamentos, que mesmo não tendo como negócio principal a venda de livros, recebem bons descontos das editoras, privilégio repassado aos compradores, recurso que obviamente as pequenas livrarias não têm.
Mais livrarias no país
A discussão em torno da conveniência do preço único do livro no México deverá continuar, pois é bastante ampla, envolvendo vários setores da atividade editorial no país – escritores, livreiros, gráficos, editores, distribuidores. Contudo, um aspecto que acaba não recebendo a devida atenção do escasso público leitor, no meio do poder de fogo das grandes redes de livrarias (Gandhi, Fondo de Cultura Económica, El Sótano) e grandes editoras (destaque para as estrangeiras Random House-Mondadori, Planeta, Santillana), é a situação das livrarias em geral: só 6% dos 2.446 municípios mexicanos dispõem de uma portinha que venda livros. Nos últimos dez anos, informa a Associação dos Livreiros do México, desapareceram 40% das livrarias no país. Onde o leitor vai comprar livros?
O escritor e cientista político Sergio Aguayo, crítico sério e rigoroso do poder público mexicano, portanto nada inclinado a aplaudir senadores ou deputados, desta vez elogia a iniciativa dos legisladores e, sem firulas técnicas, destaca os benefícios que a nova lei deve trazer ao setor editorial mexicano, sobretudo na área das livrarias: ‘O preço único permitirá que os livros compitam em igualdade de condições porque custam a mesma coisa no país inteiro. Além disso, estimulará a aparição de novas livrarias que poderão competir em serviço, estoque, localização e especialização’.
E como fica o problema maior, o cultural – ou seja, fazer com que o mexicano leia mais? Esperam legisladores e gente da indústria em geral que agora esse fator de peso estará sob os cuidados de outros aspectos da nova lei, e que dizem respeito ao estímulo à leitura: criação de novas bibliotecas públicas, de programas escolares para aumentar o número de jovens leitores, de novas carreiras profissionais técnicas na área, além da edição, produção, promoção e difusão do livro em geral.
Tudo, por enquanto, no papel.
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Jornalista e escritor brasileiro radicado na Cidade do México