Imprensa versus imprensa
Agora é oficial: as entidades que representam empresas de comunicação ingressam com representação na Procuradoria Geral da República pedindo investigação e medidas contra o ingresso de investidores estrangeiros no mercado nacional de mídia.
A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão – Abert – e a ANJ, Associação Nacional de Jornais, querem que sejam investigados especificamente o grupo português Ongoing, que lançou no ano passado o jornal Brasil Econômico e adquiriu recentemente o Dia no Rio de Janeiro, a empresa Terra Networks, de origem espanhola, que controla o portal Terra, além do iG, portal controlado pela operadora de telefonia OI.
Segundo as representações das empresas brasileiras, os três grupos estariam infringindo o artigo 222 da Constituição, que limita a 30% a participação de capital estrangeiro nas empresas de comunicação, que precisam ser controladas por brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos.
Os donos da mídia nacional alegam que o espírito da lei é o de proteger a cultura e a soberania nacional, mas destacam que “não é justa a concorrência entre empresas que seguem regras distintas, inclusive do ponto de vista financeiro”.
Por enquanto, não há suspeitas sobre o grupo sueco que, associado ao Grupo Bandeirantes, edita o jornal gratuito Metro.
Embora a legislação brasileira seja clara, e semelhante aos sistemas de proteção da mídia em outros países, o rápido desenvolvimento da comunicação eletrônica sugere a necessidade de mudanças nas justificativas da proibição.
Ninguém pode impedir, por exemplo, que o New York Times publique um caderno em português, e não se pode exigir que, para isso, os editores desse caderno sejam brasileiros natos.
Além disso, o desenvolvimento das mídias eletrônicas torna mais porosas as fronteiras culturais.
A questão, que ocupou também um debate promovido no Senado Federal com apoio das empresas de mídia, acabou sendo estendida às agências de publicidade, quando o deputado Aldo Rebelo defendeu que o controle dessas empresas também seja exclusivo de brasileiros, porque, assim como a imprensa, seus produtos têm forte influência sobre o comportamento da sociedade.
Mais um pouco e alguém poderia sugerir a proibição da exibição, por aqui, de filmes estrangeiros.
As empresas estrangeiras que estão investindo em mídia no Brasil certamente estão assessoradas com o melhor dos meios jurídicos.
A briga promete ser boa.
Uma bela entrevista
Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:
– Os principais jornais brasileiros repercutiram burocraticamente a entrevista do presidente Lula publicada no último domingo (9/5) pelo jornal espanhol El País. A matéria leva a assinatura de Juan Luis Cebrián, um dos fundadores do diário e hoje um dos principais dirigentes corporativos da empresa que o edita. Cebrián soube explorar como poucos a rica personalidade de um operário que chegou à Presidência da República.
É um texto alentado, de 19 mil caracteres, o equivalente a pouco mais de 13 das antigas laudas de 20 linhas por 70 toques… E a remissão às pré-históricas laudas de papel vem a propósito de um aspecto pouco comentado da entrevista: a sua forma.
Apenas o experimentado repórter Clóvis Rossi, da Folha de S.Paulo, ao escrever sobre a conversa do presidente com o jornalista espanhol, referiu-se à matéria como uma “entrevista-reportagem”. Mas o que se teve ali, de fato, foi um exemplar soberbo da boa e velha entrevista de texto corrido, tão distinta das regulares, contumazes e muitas vezes burocráticas entrevistas pingue-pongue, sempre presas à manjada fórmula de uma abertura curta e um longo desfiar de perguntas e respostas.
Que fique claro: entrevistas pingue-pongue também podem ser muito boas, embora esta não seja uma regra geral. Do modo como na maior parte das vezes são editadas, tendem a parecer uma extensão mais bem acabada do jornalismo declaratório, tão ao gosto de repórteres e editores preguiçosos. E uma boa entrevista requer muito mais do que um jornalista perguntador; requer um profissional comprometido com a informação exata e precisa, com a análise do contexto da conversa, com os compromissos éticos devidos à sua fonte e à sua audiência, dotado de espírito crítico e praticante de uma objetividade subjugada à verdade factual. Como o entrevistador do presidente mostrou ser possível fazer.