O papa interfere na campanha
Os jornais desta sexta-feira dão repercussão a suposta mensagem do papa Bento 16, divulgada por religiosos brasileiros e inserida de última hora na campanha eleitoral.
Discute-se principalmente se o fato interfere ou não nas intenções de voto, e a maioria dos analistas procurados pela imprensa entende que as cartas estão na mesa e que nem mesmo o papa poderá alterar a tendência do eleitorado em favor da candidatura governista.
Os jornais acabaram indo na mesma direção que tomou conta de toda a campanha: a discussão barroca e obscurantista sobre o aborto.
No entanto, o fato mais relevante envolvendo a suposta declaração do papa, transmitida por um bispo que atua mais como cabo eleitoral do que como sacerdote, é que, sendo verdadeira, trata-se de intervenção descabida de um chefe de Estado em assuntos internos de outro país.
Haverá quem diga que Bento 16 não fala como estadista do Vaticano, mas como líder religioso.
Firulas. O texto com as supostas palavras do papa já está nas ruas, o que revela o objetivo eleitoral da declaração.
No outro lado do espectro de cobertura da campanha, a revista Época faz um experimento interessante.
Nas bancas, o leitor pode escolher entre uma capa com a entrevista de Dilma Rousseff ou a outra, onde o entrevistado é José Serra.
Para os assinantes, uma revista que tem na capa os dois candidatos.
Outra novidade: as perguntas encaminhadas a Dilma e Serra foram selecionadas entre as mais de 600 questões enviadas pelos leitores num período de 48 horas.
Além de mostrar agilidade, a revista se desvia das armadilhas da campanha e oferece aos seus leitores a oportunidade de conhecer melhor cada candidato e suas propostas de governo.
De quebra, Época esclarece como funciona o presidencialismo brasileiro e publica a pesquisa Valores Brasil 2010, sobre as expectativas dos brasileiros em relação ao próximo governo.
Esse deveria ter sido o espírito da cobertura de toda a imprensa, durante toda a campanha.
Argentina de luto
Alberto Dines:
– A repentina morte do ex-presidente argentino, Nestor Kirchner, na quarta-feira comprovou que apesar da proximidade geográfica e do intenso intercâmbio turístico, nossa imprensa não consegue oferecer uma cobertura satisfatória sobre o que ocorre no país vizinho. Envolvida pelo julgamento da Lei da Ficha Limpa e pelos lances finais da disputa presidencial, nossa mídia não achou importante registrar que no dia da morte do homem forte do atual governo de Critina Kirchner, os argentinos estavam trancados em suas casas porque era o dia do recenseamento nacional e só deveriam sair
depois das oito da noite, quando os 650 mil recenseadores terminassem as suas tarefas.
O censo de 2010 foi intensamente politizado e dramatizado – aliás, como tudo na Argentina – porque com ele, o governo pretendia reabilitar o INDEC, o instituto equivalente ao nosso IBGE, cujos dados sobre economia e inflação têm sido muito contestados. Nestor Kirchner, além do poder que exercia no governo da mulher, preparava-se para sucedê-la no pleito de outubro de 2011 quando os dados do censo ficariam prontos.
Agora, a viúva não terá outra alternativa senão jogar-se sozinha na campanha pelo segundo mandato, com ou sem estatísticas confiáveis. A nova tragédia, que enluta a cena política argentina e entristece todos os que admiram a sua cultura, traz consigo uma advertência: roteiros e cronogramas não são infalíveis, o destino e os fados não gostam de ficar em plano secundário.
Na véspera, o Valor publicou extensa matéria sobre o recenseamento argentino (27-10, p.A-16), mas os redatores das nossas editorias internacionais não têm tempo nem o saudável hábito de ler as páginas de economia dos concorrentes.