O desabafo do professor
Chama atenção, na Folha de S.Paulo desta quarta-feira, dia 18, o artigo do economista Luiz Carlos Bresser Pereira, no qual o ex-ministro dos governos Sarney e Fernando Henrique Cardoso anuncia sua decisão de abandonar a vida partidária.
Não há como deixar de relacionar seu desabafo a uma sucessão de acontecimentos recentes, entre eles o lançamento do PSD, partido com o qual o prefeito paulistano, Gilberto Kassab, sonha transformar em papel principal a oportunidade que lhe deram como protagonista secundário da política provinciana.
Também não se pode desviar o conteúdo do artigo das disputas internas no PSDB ou mesmo da estranha acomodação nas relações entre a oposição e o governo.
O ex-ministro Bresser Pereira, que é professor emérito da Fundação Getulio Vargas, declara seu desapontamento com os caminhos do partido que ajudou a criar, o PSDB, do qual foi figura proeminente.
Lembra o compromisso dos fundadores, de levantar uma agremiação de centro-esquerda, com projeto de desenvolvimento baseado no nacionalismo econômico.
Relata ainda que tentou, em 1993, aproximar o PSDB do PT, junto com o empresário Oded Grajew, para formar uma aliança progressista, mas não encontrou espaço nos dois partidos para essa proposta.
Ele não afirma, mas os dois principais obstáculos ao seu intento têm o mesmo nome: ambos chamam-se José.
Bresser também declara que tentou, em 2002, convencer o PSDB a adotar uma política de crescimento com estabilidade, mas sua proposta não chegou a ser discutida.
Viu, então, segundo afirma, o projeto social-democrata ser assumido pelo PT.
Enquanto isso, observa, o PSDB, criado como um compromisso de centro-esquerda, acabou sendo empurrado para a direita.
O ex-ministro reafirma sua convicção de que o principal dever do governo é defender o trabalhador, o capital e o conhecimento nacionais.
Mas, na sua opinião, o nacionalismo econômico foi abandonado “no quadro da hegemonia neoliberal”.
A decepção de Luiz Carlos Bresser Pereira com a política é a de muitos brasileiros. Enquanto isso, a legenda de aluguel criada por Kassab segue multiplicando correligionários.
Um debate parcial
Enquanto isso, no Estadão, quase toda a editoria de Política é dedicada a discutir o patrimônio do ministro da Casa Civil, Antonio Palocci, revelado pela Folha de S.Paulo.
O ponto de partida para os comentários selecionados pelo jornal é a revelação de que cinco ministros do atual governo são sócios ou proprietários de empresas de consultoria.
O debate se torna mais espesso na Folha, onde se destaca a declaração do ministro da Casa Civil segundo a qual “ex-ministro vale muito no mercado”.
Faz falta, nos jornais, uma curiosidade: quantos ministros de governos anteriores, quantos secretários estaduais, podem ser identificados na mesma condição?
Trata-se de um tema sempre disponível para a imprensa, mas que nunca havia sido explorado dessa forma anteriormente.
Na verdade, segundo o Estado de S.Paulo, o Código de Conduta da Administração Federal não proibe explicitamente autoridades de manterem vínculos com empresas privadas enquanto ocupam o cargo público.
Mas trata-se claramente de um conflito de interesses a coexistência entre altas funções no governo e a relação com uma empresa de consultoria.
Essa teria sido a razão, segundo o jornal paulista, pela qual Palocci foi aconselhado a mudar a natureza de sua empresa.
No meio das declarações coletadas pelos jornais, destaque para a afirmação do ministro reproduzida pela Folha: personagens de destaque de governos anteriores também mantiveram consultorias e outros negócios e foram beneficiados por suas relações privilegiadas.
São citados Mailson da Nóbrega, que da carreira de burocrata no Banco do Brasil foi transformado em ministro do governo Sarney e daí saltou para a posição de consultor econômico, com amplo espaço na imprensa e Pedro Malan, que foi ministro da Fazenda no governo Fernando Henrique.
Também são lembrados ex-presidentes do Banco Central e do BNDES, como Pérsio Arida e André Lara Resende, que se tornaram banqueiros depois de passarem pelo poder público.
O leitor atento deve estranhar por que o caso Palocci parece meio contido na imprensa e por que personalidades da oposição, como José Serra e Aécio Neves, têm sido brandos em suas manifestações a respeito do assunto.
Talvez a imprensa devesse fazer um amplo levantamento, para colocar em debate uma regulamentação mais rigorosa, que evite a mistura entre funções públicas e interesses privados.
Já que nem todos querem ou podem se locupletar, que se instaure a moralidade.