Sotaque espanhol
A primeira grande privatização do governo Lula foi manchete nos principais jornais brasileiros.
Seis dos sete trechos de rodovias a serem reformadas e administradas pela iniciativa privada foram arrematados por empresas espanholas.
As reportagens são bastante esclarecedoras, com infográficos e mapas, mas os jornais perderam uma boa chance de delinear o novo perfil da gestão petista neste segundo mandato.
Mudança de estilo
O Estadão publica declaração do presidente Lula, comemorando o resultado e fazendo as costumeiras comparações com o governo do seu antecessor, mas nenhum dos grandes jornais explorou a mudança de rumo petista, que há dez anos comandava uma oposição feroz às privatizações.
O Globo chega mais perto de explicar a mudança.
O jornal carioca publica, no meio de grandes reportagens, um quadro explicativo chamado ‘O fio da meada’.
No caso das privatizações de rodovias, o Globo observa que em janeiro, quando o primeiro leilão foi adiado, o risco-país do Brasil oscilava entre 700 e mil pontos e que agora caiu para menos de 200 pontos.
Isso esclarece, segundo o jornal, porque foi possível fazer um novo modelo de leilão, pelo preço menor do pedágio, o que vai reduzir a taxa de retorno dos investidores.
Foi uma forma de esclarecer os leitores como a redução do risco-país aumenta os investimentos produtivos, porque os investidores aceitam um retorno menor diante de mais segurança.
Correndo da Justiça
A Folha traz uma informação exclusiva, que estava disponível para todos os jornais, mas os concorrentes não consideraram relevante.
Diz o jornal paulista que o presidente e dolis diretores da OHL, a empresa que ficou com cinco dos sete trechos de rodovias, estão sendo investigados pela Justiça espanhola por desvio de 30 milhões de euros, administração fraudulenta e falsificação de documentos.
O presidente da OHL, Juan Miguel Villar Mir, tem nos seus calcanhares ninguém menos do que o juiz Baltasar Garzón, aquele que condenou o falecido ex-ditador chileno Augusto Pinochet.
Um abacaxi para o Supremo
O caso do ex-banqueiro Salvatore Cacciola, condenado no Brasil e preso no Principado de Mônaco, está criando uma grande dor de cabeça para os ministros do Supremo Tribunal Federal.
Na verdade, segundo os jornais de hoje, trata-se de um emaranhado de decisões contraditórias que os ministros precisam desatar para julgar um recurso impetrado por Cacciola.
O Estado de S.Paulo oferece a melhor explicação.
A confusão começou nos últimos dias do segundo governo Fernando Henrique quando foi sancionada uma lei que estabelecia foro privilegiado para ex-autoridades. A lei foi considerada inconstitucional e derrubada pelo Supremo.
No entanto, o mesmo tribunal considerou constitucional, posteriormente, a lei que dava foro privilegiado para o presidente do Banco Central, na decisão que beneficiou Henrique Meirelles.
Tudo zerado
Na época, lembra o Estadão, os ministros não atentaram para a contradição e só ontem o ministro Carlos Alberto Direito, recentemente nomeado, apontou a incoerência.
Resumindo: se o STF considerar que ex-presidentes do Banco Central têm direito a foro privilegiado, o ex-presidente Francisco Lopes, condenado no mesmo escândalo de Salvatore Cacciola, poderia ter sua sentença anulada.
O mesmo aconteceria com Cacciola, que estaria livre para retomar sua boa vida na Itália.
Aqui no Brasil, muita gente que não quer ver o escândalo de 1999 revolvido, está torcendo por ele.
Maldade da Folha
A Folha de S.Paulo comete hoje uma maldade com o deputado e ex-ministro da Educação Paulo Renato.
O jornal paulista revela que o deputado submeteu ao presidente do Bradesco o artigo enviado anteontem para publicação na seção Tendências/Debates.
O texto foi enviado à Folha por email. Por descuido, o corpo da mensagem registrava ainda a correspondência anterior, na qual o ex-ministro perguntava ao presidente do Bradesco se ele concordava com o texto.
O artigo trazia o título ‘Tentáculos da reestatização’ e tratava da expansão dos negócios do Banco do Brasil, que desagrada ao Bradesco.
A reportagem maldosa da Folha deixa subentendido que o deputado e ex-ministro escreveu o texto sob a supervisão do presidente do Bradesco.
Renan isolado
O senador Renan Calheiros perdeu, finalmente, o controle do plenário.
A revelação de que ele havia tentado espionar outros parlamentares, não poupando nem mesmo senadores que se mantinham mais ou menos neutros em relação ao seu julgamento, foi a gota d´água.
Os jornais dão hoje como certo seu afastamento da presidência do Senado.
Os adversários de Renan e até mesmo senadores petistas, que vinham evitando atacá-lo diretamente, pediram que ele se licencie do cargo até o final do julgamento.
Nem mesmo a chamada ‘tropa de choque’ se animou a contestar os acusadores. No fim, o presidente do Senado abandonou a sessão, numa atitude que os jornais intrepretam como perda de força política.
Tarde demais
Segundo a Folha de S.Paulo, um funcionário da secretaria-geral da Mesa do Senado está disposto a testemunhar contra Renan. Ele declarou que havia procurado espontaneamente o corregedor, senador Romeu Tuma, para denunciar o uso da estrutura da secretaria-geral na coleta de informações contra os adversários do presidente do Senado, mas Tuma não deu seqüência às investigações.
Renan afastou ontem o assessor que é acusado de bisbilhotar a vida particular de senadores que pedem sua cassação, mas a medida pode ter vindo tarde demais: ninguém acredita que a operação de espionagem tenha sido uma iniciativa do assessor.
Pacto de suspeitos
A combinação de alguns destaques dos jornais dá uma idéia da situação no Senado.
A oposição entra com o quinto pedido de processo no Conselho de Ética.
O Executivo teme que a crise coloque em risco a prorrogação da CPMF, que já foi aprovada em duas votações na Câmara.
Outras lideranças do PMDB querem aproveitar a pressa do governo em aprovar prrojetos de seu interesse para aumentar sua participação na administração federal.
Parlamentares de outros partidos temem que Renan comece a divulgar pela imprensa outras irregularidades, para distrair a opinião pública, afetando ainda mais a reputação do Congresso.
No ano que vem haverá eleições municipais, ocasião em que deputados e senadores se esforçam para consolidar suas bases políticas.
Nenhum deles quer entrar em campanha com manchas no currículo.
No fim, Renan pode vir a ser cassado, não por um desejo de Justiça, mas por um pacto de suspeitos interessados em desestimular uma devassa no Parlamento.