A imprensa das frases
A imprensa faz o tradicional balanço de fim de ano com três preferências evidentes: a política, a economia e o mundo das celebridades.
Na política, destaque para os escândalos. No topo deles, a sucessão de acusações contra o ex-presidente do Senado, Renan Calheiros.
Encerra-se o ano com a imprensa ainda lamentando a absolvição de Renan e repetindo o inconformismo dos editores com a decisão dos senadores.
E, claro, dando grande destaque para a ex-namorada de Renan, Monica Veloso, que teve direito aos seus quinze segundos de fama ao exibir na revista Playboy a versão melhorada dos atributos que lhe valeram a proveitosa relação.
Na retrospectiva, jornais e revistas relembram o início do julgamento dos envolvidos no chamado ‘mensalão’, que transformou em herói da mídia o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Joaquim Barbosa.
De quebra, referências rápidas à matriz do escândalo, que a imprensa começou batizando de ‘mensalão mineiro’ e acabou chamando de ‘mensalão tucano’.
Mas faltou atualizar o leitor quanto ao seguimento das ações. Nas edições de fim de ano, nenhuma explicação sobre a agenda da Justiça para 2008 nos casos de corrupção que ocuparam a imprensa no ano que termina.
O balanço do ano também mostra uma contradição que acompanhou toda a imprensa em 2007: o reconhecimento geral de que a economia vai muito bem e uma tendência clara à afirmação de que o governo vai mal.
Assim, os indicadores econômicos favoráveis, festejados pela mídia, parecem ter sido obra do acaso, já que a imprensa passou o ano inteiro, quase unanimemente, a desvincular a política da economia, como se esta não fosse condicionada por decisões de governo.
Mas o que chama mais atenção na observação da imprensa neste final de ano é a clara preferência de revistas e jornais pela publicação de frases. Frases soltas preenchem páginas e páginas, formando um mosaico sobre o qual o leitor pode viajar no passado recente e até se divertir com o pitoresco de algumas afirmações que viraram notícia.
Trata-se de uma boa saída de edição, que areja as páginas, torna a leitura mais leve.
Mas as frases também revelam o grande defeito da imprensa no ano que termina: o jornalismo foi, mais uma vez, em 2007, feito basicamente com muita declaração e pouca informação.
Ano novo, velhas histórias
Com exceção do Estado de S.Paulo, os jornais parecem ter arquivado o tema do julgamento de militares e policiais latino-americanos, entre eles treze brasileiros, pelas operações conjuntas que resultaram na morte ou desaparecimento de presos políticos nos anos 70.
O Estadão registra que o Senado pode convocar o general da reserva Agnaldo Del Nero Augusto para depor sobre o tema.
Os outros diários preferiram dar espaço para o espetáculo preparado pelo presidente venezuelano Hugo Chávez na esperada liberação de reféns das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia.
Estamos vivendo um ano novo com tintas do passado.
Alberto Dines:
– Hugo Chávez é um mestre em matéria de orquestrações políticas, talvez o maior do hemisfério sul. Com ou sem socialismo bolivariano, quando ou se deixar a presidência da Venezuela, Chávez terá certamente um emprego garantido à frente de uma multinacional de promoções políticas. Os primeiros adiamentos do ‘resgate’ dos seqüestrados pelas FARC foram utilizados esplendidamente para aumentar a expectativa mundial em torno de uma operação à qual ele deu intenso colorido épico-militar. Porém as novas delongas anunciadas ontem à noite empurraram a entrega dos reféns para perto do réveillon. O barulho dos fogos de artifício pela passagem do ano, hoje à meia noite, e a inevitável ressaca de amanhã não garantem manchetes espetaculares. Mas o homem é um craque, o novo adiamento talvez tenha sido intencional porque aproxima o evento que ocorrerá em Villavicêncio, Colômbia, das primárias americanas no estado do Iowa. Chávez é um malabarista, sempre dá a volta por cima. Sabe usar a mídia. É uma lástima que não goste dela.