A CPMF volta à origem
O governo surpreendeu ontem os políticos e a imprensa ao anunciar que, se for prorrogada, a CPMF vai ser destinada integralmente à saúde, como era seu propósito original.
A decisão torna inócuas algumas das razões da oposição e de senadores da bancada governista para votar contra a proposta, mas isso não quer dizer que ela será aprovada.
Afinal, as razões dos políticos nem sempre são aquelas que eles declaram aos jornais.
O noticiário de hoje não explica uma questão básica que deve estar rondando a cabeça de muitos leitores: se o governo pode destinar à saúde todos os 40 bilhões de reais que o tributo rende todos os anos, por que só decidiu isso agora?
Para entender, é preciso buscar na pilha de jornais velhos alguns detalhes da negociação que vem acontecendo há três meses.
Parte da oposição, alinhada com a Fiesp e a Federação do Comércio de São Paulo, diz que a CPMF não é mais necessária porque o governo já conta com excesso de arrecadação para pagar suas despesas.
Outra parte, alinhada com os governadores, teme que o fim da CPMF corte o fluxo generoso de recursos do tesouro federal para seus cofres.
Como todos são, de alguma forma, candidatos a alguma coisa, nenhum deles quer correr o risco da falta de receita nos anos futuros.
E o presidente da República já ameaçøu fechar a torneira se o Senado não aprovar a prorrogação.
Para quem está no governo, seja o presidente da República, os gorvernadores ou os prefeitos, pouco importa se o dinheiro da CPMF tenha que ser aplicado apenas na saúde.
Com a fonte de receita sob ameaça, é melhor ter o recurso comprometido do que correr o risco de ficar sem ele.
Para oposicionistas que não têm mandato executivo, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, interessa produzir desconforto para o partido que está no poder, reduzindo sua influência e mantendo a oposição ativa.
É parte do jogo democrático, embora as razões de um ou outro possam ser mais pessoais do que partidárias.
Para o cidadão, é importante saber para onde vai o dinheiro que lhe sacam a cada operação bancária.
Isso também é parte do jogo democrático, mas essa parte da regra nem sempre entra em campo.
O bispo, a seca e o rio
O caso do rio com nome de santo e do bispo que se oferece em sacrifício contra um projeto do governo volta aos jornais com mais destaque, agora por conta de uma decisão judicial.
O desembargador Souza Prudente, do Tribunal Regional Federal de Brasília, mandou suspender as obras de transposição do Rio São Francisco, para conferir a legalidade de todos os procedimentos que levaram à aprovação pelo Conselho Nacional de Recursos Hídricos.
O bispo dom Luiz Cappio, que completa hoje duas semanas de greve de fome, comemorou a decisão mas decidiu manter o jejum até que o projeto seja suspenso.
Conforme já observou recentemente o jornalista Alberto Dines, a imprensa não dá a menor atenção ao protesto do religioso.
Da mesma forma, os jornais apenas têm repetido burocraticamente declarações de autoridades ou decisões judiciais, e evitam se posicionar claramente sobre as obras.
Pelo desprezo de demonstram com relação à greve de fome do bispo, dão a entender que são a favor da transposição das águas do Rio São Francisco.
Mas também negam ao leitor explicações técnicas sobre o assunto.
Já faz tempo que a imprensa repete a expressão ‘transposição do São Francisco’ sem dizer do que se trata, que riscos ambientais o projeto apresenta, que benefícios pode produzir.
Do jeito que a questão aparece nos jornais, parece coisa do tempo de Antônio Conselheiro: a eterna seca do Nordeste, um rio que muda de lugar, um sacerdote que ameaça se matar de fome.
Vai ver, é mesmo coisa de Antônio Conselheiro.