‘Brasil está engatinhando na construção do seu sistema público de comunicação’
Entrevista com Diogo Moyses
Nesta quinta-feira, o Observatório da Imprensa conversa com Diogo Moyses, da ONG Intervozes, que realiza na Universidade de São Paulo um curso sobre políticas públicas de comunicação.
Luciano Martins: – Como surgiu essa necessidade por promover esse curso na USP?
Diogo Moyses: – Bom, o Intervozes trabalha basicamente com regulação em políticas de comunicação. É uma ONG que tem como objetivo lutar pela democratização da comunicação ou, em outras palavras, pela garantia do direito à comunicação. E aí como a maioria dos nossos membros é formado em algum curso de comunicação, (Jornalismo, Radialismo, Relações Públicas, Publicidade) nós desde sempre avaliamos que os cursos, hoje, de comunicação não suprem uma lacuna indispensável, não só para o exercício da profissão, mas uma lacuna indispensável para a formação do comunicador, que é conhecimento vinculado às políticas de comunicação, como se organizam as comunicações no Brasil.
LM: – Você quer dizer que a universidade não discute políticas públicas de comunicação dentro do currículo normal dos cursos de comunicação?
DM: – Ah, não tenho a menor dúvida disso. Os currículos, majoritariamente, não dá para a gente generalizar, são vinculados à formação de quadros para o mercado. E essa discussão sobre como se organiza o ambiente das comunicações no Brasil simplesmente não existe nos cursos de comunicação de graduação aqui no Brasil. São poucos inclusive os cursos de pós-graduação ou as linhas de pesquisa de pós-graduação que são vinculados a essa temática.
Estamos conversando Diogo Moyses, da ONG Intervozes, sobre regulação e políticas públicas de comunicação no Brasil.
LM: – Diogo, você como um dos coordenadores da pesquisa que resultou no livro Sistemas Públicos de Comunicação no Mundo, como vê o retrato do Brasil nessa questão?
DM: – Olha, o Brasil ainda está engatinhando, se a gente for fazer uma análise honesta e sincera, na construção do seu sistema público de comunicação, que é uma determinação constitucional, inclusive. Nós temos algumas experiências desde a década de 60, temos emissoras estaduais vinculadas aos governos do estado, e tínhamos até recentemente duas experiências que poderíamos chamar minimamente, vamos assim dizer, de iniciativas de comunicação pública relevantes. Temos a Fundação Padre Anchieta e tínhamos a TVE do Rio de Janeiro, vinculada à Fundação Roquette Pinto. E tivemos recentemente a criação da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que pode ser chamada de o grande ponto de virada, um possível ponto de virada na construção do sistema público de comunicação no Brasil.
LM: – O fato de haver uma grande concentração de meios cria uma força antagônica? E também o fato de muito parlamentares serem donos de concessões de rádio e televisão cria forças antagônicas que dificultam a criação desse sistema no Brasil?
DM: – Ah, não tenha dúvida. Para as emissoras comerciais, tudo que elas não querem é um concorrente de peso. Independentemente desse concorrente não estar disputando verbas publicitárias, é um concorrente pela audiência. E essa é uma questão muito importante para os meios de comunicação comerciais, especialmente as emissoras de televisão. Mas essa é uma questão que tem sido tema, não só das emissoras de televisão comerciais, como dos jornais também. Recentemente tivemos dois editoriais, um da Folha de S. Paulo e outro do Estado de S.Paulo, pedindo inclusive o fechamento da TV Brasil, dizendo que ela estava só gastando o dinheiro do cidadão e não servia para nada. E essa é uma posição que não é nova, né? Ela é conhecida de todos aqueles que trabalham com esses temas. E essa é uma questão… as emissoras comerciais, os veículos comerciais, eles tendem a criar dificuldades para a construção de um sistema público. E é importante que os gestores desses sistemas públicos saibam disso e entendam que ou você constrói uma legitimidade junto à sociedade, ou dificilmente as emissoras públicas de televisão, de rádio, as agências públicas de notícias, dificilmente elas vão prosperar.