Um repórter no ônibus
O jornalista Paulo Totti produziu nesta semana o tipo de reportagem que deveria ser rotina nos grandes jornais do País.
Ele analisou o mapa dos transportes públicos de São Paulo e constatou que as linhas de trens e metrô se estendem ao norte e a oeste, e que o restante da cidade depende do sistema de ônibus.
Mas o que ele fez foi ainda mais raro do que analisar um serviço público que afeta aquela parte da população que não costuma ler jornais: durante duas semanas, ele cruzou a cidade de trem, metrô, ônibus e fura-fila, no horário de pico, para constatar a qualidade do serviço prestado ao cliente.
Detalhe: Paulo Totti trabalha para o Valor Econômico, jornal de economia e negócios cujo público é formado basicamente por executivos e empresários, gente que não costuma usar os transportes coletivos.
O retrato que ele faz é de uma sucessão de iniquidades.
A falta de informações e as condições desumanas, que jã não poderiam ser descritas como desconforto, fazem a rotina das viagens de muitas horas que 7 milhões de paulistanos são obrigados a enfrentar diariamente.
Um terço dos paulistanos caminha ou vai de bicicleta para o trabalho.
Outro terço anda de carro ou motocicleta, sendo que 92% dos motorizados viajam sozinhos em seus automóveis. O outro terço são aqueles que compõem os 9,2 milhões de embarques diários em 15.000 ônibus e os 3 milhões de embarques no metrô ou nos trens da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos
O trabalho de reportagem vai além do chamado jornalismo testemunhal. Totti não apenas partilhou o drama dos passageiros, como realizou muitas viagens completas entre os pontos iniciais e finais das linhas de transporte. Reproduziu os trajetos mais comums da maioria dos usuários e produziu um diagnóstico do serviço do ponto de vista do negócio.
Mas o experiente repórter omite o fato de que o direito a tratamento digno dentro de vagões e corredores não é o direito do pagante. O drama descrito é o do cidadão que sofre com a falta de políticas para o transporte – a forma mais bem acabada do direito de ir e vir.
A reportagem analisa o fenômeno do Bilhete Único, descobre a falta de linhas e até defende que os ‘automobilistas’ passem a usar os coletivos, mas não discute o sentido do aumento de tarifas em um sistema tão desumano.
O que Totti viu e descreve é aquilo que poderia ser chamado de caos. Muito diferente daquilo que a imprensa batizou de ‘caos aéreo’, o cenário descrito pelo repórter do Valor Econômico é a realidade diária de milhões de habitantes da maior cidade do País.
Detalhe de uma reportagem de raro valor: o repórter Paulo Totti, que entre outras coisas já foi assessor de imprensa do BNDES, tem 69 anos de idade.
Sacrifício solitário
A imprensa costuma ignorar o Brasil que vai além das grandes cidades.
Da mesma forma, se omite em aspectos do noticiário sobre temas gerais que ajudariam a entender os fatos em seu conjunto.
Os jornais estariam perdendo a sensibilidade?
Dines:
– A grande imprensa do eixo Rio-São Paulo não está prestando muita atenção à greve de fome do bispo baiano Luis Flávio Cappio que entra no seu décimo dia. A omissão inclui tanto o segundo protesto do religioso contra a transposição do rio S. Francisco como as manifestações de apoio que vem recebendo das populações ribeirinhas. A greve do bispo não agrada à hierarquia católica e, obviamente, não ao governo federal. É um ato eminentemente político, mas não repercute, não sensibiliza nem consegue motivar os chamados porteiros das redações mais inclinados aos escândalos e declarações bombásticas. Este comportamento do bispo baseado no sacrifício e na auto-flagelação parece não ajustar-se aos paradigmas vigentes na sociedade brasileira e o descaso da mídia é simbólico. Com os seus jejuns nos anos 30 e 40 do século passado, o Mahatma Gandhi conseguiu mobilizar os seus conterrâneos para a independência da Índia e comoveu o mundo. Em Janeiro, serão lembrados os 60 anos do assassinato de Gandhi pelas mãos de um fanático e nem com esta referência histórica consegue-se encontrar na mídia um toque de compreensão e solidariedade. A alma brasileira endureceu ou é a mídia que está perdendo a sua alma?