Unanimidade
O ex-ministro José Dirceu, mais do que personagem central do ‘mensalão’, é o assunto preferido dos jornais de hoje.
A abertura de processo contra Dirceu, por corrupção ativa, soa como uma vitória pessoal da imprensa.
O clima é quase o de torcida de futebol.
Alberto Dines:
– O ‘Mensalão’ surgiu num vídeo divulgado pela mídia, mas não foi a mídia quem inventou o ‘mensalão’. Quem desdobrou e investigou as denúncias de Roberto Jefferson na Folha de S.Paulo foi a CPI dos Correios responsável pelo grosso das evidências contidas na denúncia do Procurador Geral da República e agora em grande parte aceitas pelo Supremo Tribunal Federal. A quase unanimidade nas decisões de ontem confirma a objetividade do relatório produzido pela CPI. Qualquer que seja o resultado final do julgamento da suprema corte, convém não esquecer o trabalho dos dois parlamentares — o senador Delcídio Amaral e o deputado Osmar Serraglio — que conduziram o inquérito que tornou possível o maior julgamento político da nossa história e, de certa forma, atalhou a sensação de impunidade que tomava conta da sociedade. Cabe a estes parlamentares – e não aos réus ou seus cúmplices — lembrar o papel da imprensa neste episódio que foi o ‘Mensalão’.
Luciano:
O grande julgamento
O maior dos medos do Partido dos Trabalhadores começou ontem a se tornar realidade: o ex-ministro José Dirceu, o ex-deputado José Genoíno e o ex-tesoureiro Delúbio Soares – todos ex-dirigentes do PT – foram indiciados e serão julgados por corrupção ativa no Supremo Tribunal Federal.
Por que os jornais dizem que este é o maior julgamento por corrupção da história do Brasil?
Porque envolve o maior número de políticos. E a imprensa destaca que é também porque envolve a cúpula do partido que está no poder.
Quadrilha
Se Dirceu e seus companheiros forem condenados, não haverá como descolar essa mancha da história do PT.
Mas o que José Dirceu mais teme, segundo o Estado de S.Paulo, é ser indiciado e condenado por formação de quadrilha.
A acusação por formação de quadrilha será considerada hoje pelos magistrados.
A aceitação da denúncia deverá isolar ainda mais o ex-ministro, que vê diluir-se rapidamente o seu capital político.
Polêmica
Os jornais destacam que, no quarto dia do julgamento, os ministros do Supremo Tribunal Federal debateram longamente a expressão ‘organização criminosa’.
Esse é o eixo central do caso.
Embora uma eventual condenação por formação de quadrilha corresponda a uma pena menor, pelo Código Penal, o efeito político é muito mais devastador.
Os jornais deram detalhes do julgamento, mas o Estado de S.Paulo pensou mais no cidadão comum: um glossário e alguns textos explicativos facilitam a vida dos leitores que não têm afinidade com o vocabulário jurídiquês.
Argumento errado
O Globo destaca a surpresa dos advogados dos acusados com a decisão dos ministros.
Eles esperavam que o Supremo Tribunal Federal levasse em conta, desta vez, o argumento que há quinze anos salvou da condenação o ex-presidente Fernando Collor.
Em 1992, Collor escapou da acusação de corrupção passiva com a figura jurídica do ‘ato de ofício’, que define a ação ou omissão de funcionário público em troca de ventagem indevida.
No caso do ex-presidente, o Supremo concluiu que, embora estivesse provado que ele pagava despesas pessoais com dinheiro obtido pelo ex-tesoureiro de campanha, Paulo César Farias, a acusação não demonstrou como esses pagamentos foram retribuídos aos doadores, ou seja, faltou o ‘ato de ofício que ligaria o recebimento do dinheiro à prática da ação que favoreceria o doador.
Não funcionou
Os advogados dos acusados no escândalo do ‘mensalão’ esperavam usar o mesmo argumento.
Mas o relator, ministro Joaquim Barbosa, considerou que a denúncia se referia à troca de dinheiro por apoio político, referindo-se à atuação dos parlamentares, que votavam com o governo.
Além disso, ele demoliu a articulação dos advogados observando que, no caso de Fernando Collor, a absolvição por falta de ‘ato de ofício’ se deu no julgamento final.
Neste caso, o STF ainda está na fase de análise da denúncia.
O julgamento final ainda está longe, mas o placar a favor da abertura de processos foi um balde de água fria sobre os acusados.
Falando de caju
O maior julgamento político da República deverá se estender por pelo menos três anos, segundo especialistas ouvidos pelos jornais.
Isso significa que muito provavelmente o tema estará quente às vésperas das eleições presidenciais.
Mas, segundo o Globo, o presidente Lula da Silva não parecia muito preocupado, ontem, quando o Supremo Tribunal Federal decidia o destino de seus antigos auxiliares.
Enquanto seus companheiros eram levados a julgamento, Lula participava do lançamento do Projeto Caju, que tem como objetivo aproveitar a fibra da fruta em alimentos salgados, para eliminar o desperdício.
Lula teve que discursar na sede da Confederação Nacional da Indústria. Sobre cajus.
Voto aberto
A tentativa do senador Renan Calheiros de forçar o Conselho de Ética do Senado a fazer a votação secreta do relatório final no processo que pode levar à sua cassação, acabou se voltando contra ele.
Até mesmo senadores do PT, que vinham até aqui poupando o presidente do Senado e atuando discretamente em sua defesa, se rebelaram e exigem que o voto seja aberto.
Os parlamentares entendem que, com voto fechado, a sociedade pode considerar que eles já teriam combinado livrar Renan Calheiros da condenação.
Votos indefinidos
O Estado de S.Paulo lembra que, com o voto secreto, muitos senadores que aparecem diante da imprensa como acusadores poderiam, na última hora, fazer um acordo com Renan Calheiros.
Segundo o Estado, justamente no Partido Democratas, antigo PFL – o mais aguerrido da oposição – está hoje a maior concentração de votos indefinidos que podem pender a favor de Renan.
Entre esses votos, o jornal destaca os dos senadores Heráclito Fortes, do Piauí, Romeu Tuma, de São Paulo, e Adelmir Santana, do Distrito Federal.
Dois a um
São três os relatores do processo contra Renan Calheiros.
Eles devem apresentar hoje suas conclusões individuais sobre o pedido de cassação do presidente do Senado por quebra do decoro parlamentar.
Dois dos três relatórios consideram que há elementos no processo que justificam a recomendação pela cassação. O terceiro relatório, do senador Almeida Lima, do PMDB de Sergipe, defende a absolvição de Renan.
Os jornais lembram que a votação no Conselho de Ética apenas pode recomendar a cassação. Se a recomendação for aprovada, o julgamento será definido no plenário do Senado.
Detalhe
Um detalhe lembrado pelo Globo: o contador José João Appel Matos, escolhido por Renan Calheiros para organizar sua defesa técnica, é o mesmo que preparou as contas do publicitário Marcos Valério no inquériro do ‘mensalão’.