Para o acervo Sarney
É manchete do Estado de S.Paulo nesta quinta-feira e reportagem interna na Folha de S.Paulo a mais recente revelação sobre o estilo Sarney de fazer política: a fundação José Sarney, que ocupa a antiga sede do Convento das Mercês, prédio histórico erguido no século 17 em São Luís, foi beneficiada com verba da Petrobrás.
Mas não se limitam ao destaque dado a essa notícia as diferenças no tratamento oferecido pelos dois jornais.
A Folha apenas registra que “Fundação Sarney ganha R$ 1,34 mi de estatal”.
O Estadão vai mais fundo e denuncia: “Fundação Sarney desvia recursos da Petrobrás”.
Como explicar tamanha diferença na abordagem do mesmo tema e na disposição para investigar os indícios de mais uma fraude na vasta conta de falcatruas atribuídas ao senador José Sarney?
O que se esconde por trás da resistência da Folha em manter o escritor José Sarney entre seus colaboradores?
O episódio desta quinta, quando a Folha de S.Paulo claramente omite o principal e mais grave aspecto da notícia escandalosa, não deixa dúvida quanto ao propósito do jornal de preservar o presidente do Senado.
A outra alternativa, pura incompetência, seria demasiado cruel e injusta com seus editores.
A reportagem da Folha de S.Paulo se apresenta quase como uma nota oficial da entidade que o Estadão acusa de desvio de recursos.
Começa como um “press release”: “A Fundação José Sarney em São Luís, que recebeu R$ 1,34 milhão da Petrobrás entre o fim de 2005 e setembro passado para preservação do seu acervo, tem como principal atração para o público, em vez de livros e o museu, uma festa julina idealizada pela governadora do Maranhão, Roseana Sarney”.
A manchete do Estadão começa assim: “A Fundação José Sarney desviou para firmas fantasmas e empresas da família do senador dinheiro da Petrobrás para patrocínio de projeto cultural que nunca saiu do papel.”
O leitor da Folha foi claramente ludibriado.
O bom menino das Mercês
A reportagem do Estadão, que ocupa, além da manchete, duas páginas inteiras, revela que a Fundação Sarney foi privilegiada pela Petrobrás, furando a fila para receber o patrocínio com incentivo fiscal da Lei Rouanet.
O projeto financiado pela empresa previa a digitalização dos documentos do museu, com instalação de computadores para que os visitantes pudessem conhecê-los.
A leitura combinada das reportagens do Estadão e da Folha induz o leitor a suspeitar que alguns desses documentos declarados não existem ou estão em outro lugar que não o museu, como livros raros e uma obra de Maquiavel datada de 1560.
A única referência a Maquiavel, ou aos seus pensamentos, que o Estadão encontrou é o projeto em si, que se resumiu a recolher o dinheiro da Petrobrás e o desviar para outros fins.
Segundo o jornalão paulista, pelo menos R$ 500 mil foram parar em contas abertas em nome de empresas prestadoras de serviço com endereços fictícios em São Luís e até em uma conta paralela que nada tem a ver com o projeto.
Outra parcela foi para a TV Mirante e duas emissoras de rádio que pertencem à família Sarney, a título de veiculação de comerciais sobre o projeto fictício.
O Estadão publica fac-símiles de um bilhete do próprio Sarney, pressionando o Ministério da Cultura a liberar a verba, e de recibos suspeitos.
O projeto jamais foi realizado.
As revelações do Estado de S. Paulo só podem produzir dois efeitos: ser desmentidas cabalmente ou conduzir a um inquérito e a um processo de cassação.
Mas a Folha não viu nada disso e afirma que o dinheiro da Petrobrás foi usado para a festa julina organizada por Roseana Sarney.
Os festejos, que começaram na semana passada, são realizados pela Associação dos Amigos do Bom Menino das Mercês e tiveram como abertura uma toada em homenagem a… Roseana Sarney.
Tudo indica que o bom menino das Mercês usa bigode e não é outro senão o presidente do Senado Federal.