Eleitor vira bode expiatório
Será um engano interpretar os resultados eleitorais, caso se confirme a reeleição do presidente Lula, no primeiro ou no segundo turno, como aval a práticas desonestas. É um engano afirmar, como o senador Jefferson Peres, que o eleitor brasileiro está anestesiado. O eleitor age dentro das estreitas margens que lhe são oferecidas pelo sistema político, assim como os próprios partidos. Não foi o eleitor que decidiu poupar o presidente Lula quando Duda Mendonça confessou ter recebido dinheiro de caixa dois para fazer campanhas do PT. Foram os dirigentes partidários da oposição. Segundo o presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen, ouvido hoje na Folha de S. Paulo, isso aconteceu porque a oposição não teria no Congresso votos suficientes para agir de outro modo. A consciência do eleitor é maior do que o poder de seu voto na urna. E nisso deve meditar o presidente que será empossado no início de 2007.
Aquecimento perigoso
Alberto Dines diz que a campanha eleitoral agora esquenta, mas não pelos motivos mais profícuos para a democracia brasileira.
Dines:
– A campanha eleitoral está esquentando, mas está esquentando da forma errada e perigosa. A quatro semanas do primeiro turno, quando tudo parecia imerso num banho-maria, de repente aparecem acusações frenéticas e ataques virulentos. Não se discutem projetos consistentes ou programas, os principais candidatos prometem tudo e ao mesmo tempo. A exceção fica com um dos candidatos nanicos, Cristóvão Buarque, aferrado à cruzada da educação. Quando cessam as ofensas e afrontas, fica apenas a propaganda, geralmente propaganda enganosa. A Justiça Eleitoral nunca teve tanto trabalho como agora, mas este é um jogo que para ser efetivamente controlado precisará de um batalhão de árbitros. A mídia poderia funcionar como árbitro-auxiliar, bandeirinha. Mas não está conseguindo: tem que acompanhar ao mesmo tempo todos os escândalos e cobrir este vale-tudo generalizado. Não sobra à mídia nem o tempo nem o espaço e muito menos o ânimo para dizer “basta!” e impor um mínimo de compostura aos antagonistas. Estamos ameaçados de repetir o impasse mexicano por antecipação: não porque haja dúvidas quanto à confiabilidade das urnas eletrônicas mas porque os candidatos perderam as estribeiras e perderam os limites. Isso é grave.
Discussões caolhas
A discussão política no Brasil tem um grau estranho de seletividade. As páginas de jornais estão coalhadas de comentários sobre o abandono a que foi condenado o candidato Geraldo Alckmin. Ficaram para trás, esquecidas, as circunstâncias em que ele impôs sua candidatura ao seu partido e aos aliados. Se houver uma virada e Alckmin conseguir um segundo turno, vai prevalecer a chamada sabedoria da visão retrospectiva. Na profecia vista de trás para a frente, Alckmin vai virar herói. A consistência do debate não se afina com a compulsão de produzir manchetes.
Universidade gratuita
A Folha usa hoje tom de denúncia para informar que as três universidades estaduais paulistas, USP, Unicamp e Unesp, decidiram conter a expansão do número de vagas que oferecem. Discussões desse tipo, feitas de modo genérico e numa linha de avaliação quantitativa, não ajudam muito a entender os problemas da universidade pública. Só no final da reportagem aparece a opinião de uma especialista da USP, Elizabeth Balbachevsky, segundo a qual “o financiamento das universidades pelo Estado chegou ao limite” e “não é justo pedir que o contribuinte paulista pague mais por essas universidades”. Elizabeth volta a um tópico bem conhecido. Diz que “quem tem condição melhor poderia ajudar a bancar as camadas mais pobres”. Dessa discussão a classe média e os ricos brasileiros fogem o tempo todo. A imprensa não contraria esses segmentos.
A economia do crime
Foi tratada com displicência, na mídia, a notícia de que um policial paulista recebeu propina para deixar escapar um dos seqüestradores do repórter Guilherme Portanova e do auxiliar técnico Alexandre Calado, da TV Globo. Ontem, a manchete do Globo informava que o tráfico de drogas do Rio de Janeiro dá 10% de seu faturamento à polícia. Quem quiser entender o sucesso da criminalidade precisa estudar a economia das quadrilhas… e das polícias.
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