Ciúmes do Washington Post
Colunistas de jornais e revistas seguem garimpando semelhanças na composição que a presidente eleita Dilma Rousseff parece estar dando ao seu futuro gabinete em relação a atual governo.
A tese que repousa como fundo dos comentários é a da continuidade sem retoques, ou seja, afirma-se explicitamente ou nas entrelinhas que a futura presidente vai reproduzir o governo Lula até mesmo na disTribuição de cargos entre os partidos aliados.
Ao mesmo tempo, o noticiário desses mesmos jornais e revistas vai acumulando indícios de que, em variados assuntos, a presidente eleita manifesta não apenas opiniões mas também atitudes diferentes daquelas que marcaram os dois mandatos de Lula da Silva.
Argumentar contra os fatos é tarefa que exige conhecimento acima do saber comum, e a repetição do bordão de que Dilma é uma criatura do seu antecessor e, portanto, só pode produzir um governo que seja uma cópia daquele, revela apenas que esses colunistas não dispõem de fontes que os descolem das suposições e dos preconceitos que ainda sobrevivem desde a campanha eleitoral.
Os jornais do final de semana reproduzem notícias que, aos poucos, vão mostrando a personalidade política da futura presidente.
E ela não poderia ser mais distinta da do atual chefe de governo.
A imprensa nem precisaria esperar pelas manifestações de Dilma Rousseff para mudar de opinião e concluir que ela tem um perfil muito distinto do estilo de seu antecessor: suas biografias são extremamente diferentes e, além disso, ela deve assumir numa circunstância completamente diversa daquela em que Lula chegou ao poder.
Uma entrevista de Dilma Rousseff ao jornal americano The Washington Post, publicada neste domingo, consolida algumas dessas diferenças e marca um novo estilo: a presidente eleita afirma, por exemplo, que não concordou com a decisão do governo Lula, que se absteve de apoiar uma resolução da ONU contra o apedrejamento de mulheres no Irã e que, se já estivesse no governo, teria adotado outra posição.
A declaração, feita na primeira grande entrevista exclusiva para um jornal, parece ter deixado a imprensa brasileira desconfortável, por duas razões: primeiro, porque revela que discordâncias são naturais no regime democrático, mesmo com relação ao patrono de uma carreira política. Segundo, a imprensa brasileira parece ter ficado enciumada porque a primeira entrevista exclusiva foi feita a um jornal estrangeiro.
Depois da lambança que aprontaram durante a campanha eleitoral, os jornalões ainda querem privilégios.
Vazamento vs. apuração
“Wiki-news” é um dos híbridos da era digital
Alberto Dines:
– Na edição sul-americana do El País de ontem, domingo, as façanhas de Julian Assange, ocuparam cerca de 13 páginas, grande parte dedicadas aos desdobramentos das revelações do fim de semana anterior.
Curiosamente, o tópico que mereceu mais espaço e atenção (2 páginas e forte chamada na capa) foi a denúncia de que dois membros da alta hierarquia chinesa (números cinco e nove do Politburo) estavam a frente do ciberataque do governo de Pequim contra o Google no fim do anos passado.
A denúncia do wikileaks não foi contestada, mas também não foi apurada. Tal como entrou nos arquivos do Departamento de Estado – sem qualquer investigação suplementar – entrou no tsunami das especulações e fofocas que tomaram conta da imprensa mundial. ‘That’s the way it is’, diria o cético Walter Cronkite, o famoso âncora da CBS. Coisas do nosso tempo. O ciberespaço é tão vasto e amorfo que nele só se produz barulho.A prova disso está no próprio estatuto da “coalizão” (ou conluio) dos cinco grandes diários globais que se acertaram com o wikileaks para publicar as suas bombas: a primeira divulgação seria obrigatoriamente através das respectivas edições digitais. Depois, os vazamentos passariam às edições impressas. E por que não ao contrário? Porque Julian Assange é um publisher digital, sua cabeça e instintos não são analógicos. Se a primazia ficasse com os jornais, o barulho teria outro tipo de vibração. E outros resultados, talvez mais eficazes.
A questão que hoje deveria ser discutida relaciona-se com a natureza do Wikileaks – é um canal informativo ou veículo jornalístico? Para ser enquadrado como jornalismo a primeira exigência seria a de trazer algum tipo de apuração preliminar, de preferência uma contestação. Impossível, o vazamento só tem efeito quando aliado ao fator surpresa.
A verdade é que este rigor conceitual está sendo rapidamente substituído pelo chamado “jornalismo de resultados” em que primeiro se atira e depois se pergunta quem vem lá. Assange só atira. E com o apoio de veículos como o The New York Times, The Guardian, Der Spiegel e El País, que a ele se associaram este tipo de jornalismo não levará muito tempo para impor-se ao modelo canônico.
Não importa quanto tempo vai durar a “Onda Assange”, o que importa é velocidade da hibridização imposta pela explosão dos meios digitais. O híbrido é geralmente estéril, geralmente incapaz de produzir descendência, impasse genético. Impossível dizer se Assange descende de Hearst ou de Pulitzer. O que deveria nos preocupar é que ele é o primeiro de uma série de estranhas combinações entre espécies diferentes que, ao fim e ao cabo darão razão ao ministro Gilmar Mendes do STF: jornalismo não é profissão, é oportunidade.
A ouvidora da Folha errou na sua coluna do último domingo: o jornal não publicou com exclusividade os vazamentos referentes ao Brasil. Deu em primeira mão. Exclusividade não existe na era digital