Uma jogada previsível
Os principais jornais brasileiros, aqueles que produzem a agenda pública, têm dois pontos de convergência nesta quarta-feira: na política e no futebol.
Na política, a imprensa afirma, em unanimidade, que o presidente da República sancionou o reajuste de 7,7% para as aposentadorias maiores que um salário mínimo apenas por interesse eleitoral, para não prejudicar sua candidata à sucessão.
No futebol, é quase um coro a reclamação contra o desempenho da Seleção na partida contra a Coréia do Norte, considerada a mais fraca equipe a disputar a Copa do Mundo na África do Sul.
O Globo é o mais explícito. Em manchete na primeira página, decreta: “Para ajudar Dilma, Lula nega orientação da equipe econômica”.
Os jornais deixam em segundo plano o fato de o presidente ter mantido o sistema de cálculo da aposentadoria com o fator previdenciário, cuja extinção havia sido aprovada no Congresso, justamente por recomendação de seus ministros da área econômica.
Mas os jornais já haviam decidido há alguns anos que a única motivação de um presidente da República em ano eleitoral é a própria eleição, então ficamos assim.
Quanto ao resultado medíocre do time dirigido pelo técnico Dunga, que sofreu aquele que será provavelmente o único gol da equipe norte-coreana em toda a Copa, a unanimidade dos jornais coincide com o que se ouviu nas ruas e com as avaliações de comentaristas do rádio e da TV.
O time brasileiro fez o que se espera do estilo Dunga: praticou um jogo previsível, sem criatividade, burocrático.
Como previsível era a decisão do presidente da República, e como previsíveis são todas as manchetes dos jornais quando falam da disputa eleitoral.
Visto pelas lentes da imprensa, o país que fez fama por sua criatividade parece ter perdido a capacidade de surpreender: as denúncias de outras campanhas são requentadas e até mesmo o ex-secretário do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, Eduardo Jorge Caldas Pereira, que hoje é vice-presidente-executivo do PSDB, volta ao noticiário no papel de vítima de investigações obscuras.
Os dossiês anunciados pelos jornais e pela revista Veja ainda não se materializaram.
Mas todos sabem que eles vão continuar cruzando a mídia até as eleições, assim como a bola tem que passar pelos pés de Kaká toda vez que seleção brasileira vai ao ataque.
Em busca do leitor jovem
Luiz Egypto, editor do Observatório da Imprensa:
– Uma pesquisa produzida pela empresa internacional de consultoria PricewaterhouseCoopers, noticiada anteontem pela Folha de S.Paulo, revela que a América Latina foi a região do mundo onde mais cresceram os gastos com mídia e entretenimento em 2009. Enquanto os países desenvolvidos ainda amargam a retração causada pela crise econômica global desencadeada em setembro de 2008, os estudos indicam que, no quesito consumo de mídia, a América Latina pode manter um crescimento médio 8,8% ao ano até 2014. O Brasil será responsável por praticamente metade desse incremento.
Esse movimento de mercado se dá no quadro de uma intensa digitalização dos processos e das relações de produção, sobretudo na área jornalística. O avanço da internet e a inevitável popularização da banda larga têm causado grandes mudanças no comportamento dos consumidores e ainda prometem amplas possibilidades de transformação pela frente. E muito embora o maior potencial de crescimento futuro esteja nos serviços digitais, a pesquisa da Pricewaterhouse indica que, por enquanto, o grosso das receitas está no mundo analógico, offline.
No caso das organizações jornalísticas, se se considerar em conjunto a circulação física e os acessos via web, o que se nota é um aumento geral e crescente da audiência. Este dado pode indicar que uma boa aposta para o futuro próximo será o rearranjo dos modelos de negócios de modo a potencializar a complementaridade do físico e do digital, isto é, expandir o acesso livre e gratuito aos veículos e, ao mesmo tempo, criar áreas de acesso pago, com conteúdos específicos e de qualidade editorial diferenciada. Coisa que o Le Monde e Wall Street Journal já fazem, e que o New York Times deverá fazer a partir do ano que vem.
O desafio maior para a indústria, no entanto, não está nos balanços nem nos planos de negócio. Está na conquista do leitor jovem, do nativo digital, aquele para o qual o veículo impresso é uma plataforma mais ou menos distante. É aqui que o bicho vai pegar.