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A mesma mídia que mostrou todos os detalhes de um dos crimes mais horrendos dos últimos tempos está armando um espetáculo circense. A atriz principal é Suzane Von Richthofen, assassina dos pais. Seus advogados pretendiam apresentá-la como a adolescente digna de compaixão. Conseguiram em parte na matéria de Veja, mas não contavam com os microfones ligados quando a assassina gravava seu depoimento para o Fantástico, da Globo. O que poderia ter sido decisivo para comover os jurados, por um acaso, pode condená-la. Breve aparecerão os outros assassinos, os irmãos Cravinho. Desta vez, convém que a mídia não confie no acaso e procure apresentá-los como de fato são.
Os meios de comunicação precisam de heróis, é a sua matéria-prima, mas uma nação não pode prescindir da verdade. No fim de 2003 morreram na Base de Alcântara 22 técnicos aeroespaciais brasileiros altamente qualificados. Esta tragédia não foi lembrada nas últimas duas semanas, enquanto durou o carnaval sideral promovido por nossa televisão com a Globo à frente.
O simpático e sorridente astronauta Marcos Pontes não tem responsabilidades na montagem do espetáculo. Sua função era preparar-se para a viagem na nave russa e voltar são e salvo. Não lhe cabia lembrar os mortos em Alcântara nem avisar às autoridades de que foi inoportuna e impertinente a associação de sua façanha aos feitos de Santos Dumont.
O Pai da Aviação foi um pioneiro autêntico, criador genial. Um pacifista que se revoltou contra o uso de aviões federais para combater os rebeldes paulistas em 1932. Por isso, Santos Dumont se suicidou, mas o suicídio foi escondido por sucessivos governos, gerações e minimizado pela história oficial. Nosso primeiro astronauta não é historiador, mas no futuro aquela história do chapéu de Santos Dumont levitando na cápsula da Soyuz será lembrada no mínimo como algo de mau gosto.
Governos gostam de comemorações, às vezes estão certos, mas às vezes cabe à imprensa contestá-las. Ou colocá-las nas dimensões apropriadas. Marcos Pontes tem 444 antecessores. Países mais pobres do que o Brasil nos precederam há muito tempo. Já participaram do programa espacial russo, talvez de graça, sem pagar as despesas, Vietnã, Cuba, Bulgária, Mongólia, Índia, Síria, Afeganistão e África do Sul. Sem falar nos caronas do programa espacial americano.
A verdade não atrapalha e quem deve cultivá-la é a imprensa.