A voz das ruas
Chama-se Breno Santa Cruz Freitas, é funcionário do Banco Central e tem 37 anos, segundo o Globo, o cidadão que foi detido pela polícia do Congresso por haver chamado o senador José Sarney de “ladrão”. Ele pode ser indiciado por injúria e desacato a autoridade.
Breno se encontrava no corredor quando o presidente do Senado passava entre seu gabinete e a entrada do plenário, por volta das 18h20 de quinta-feira, logo após o espetáculo de troca de ofensas entres os senadores Renan Calheiros e Tasso Jereissati.
Sarney teria ouvido o xingamento e pediu que os seguranças detivessem o servidor.
Convém os leitores e ouvintes guardarem bem esse nome. Quando os políticos voltarem a se entender e as baixarias desta semana se transformarem em rapapés entre suas excelências, Breno poderá ser registrado como o único condenado em todo esse escândalo que já ocupa mais da metade do ano legislativo.
As editorias de Polícia dos jornais desta sexta-feira se ocupam quase exclusivamente da discussão entre Renan e Tasso, que por pouco não degenerou em briga de rua.
O resto do espaço é ocupado pelas mesmas denúncias, requentadas, que se acumulam contra José Sarney.
Mas não há fatos novos que indiquem qualquer possibilidade de mudança no cenário.
A cada debate, a cada troca de insultos, o eleitor vai sendo informado de que as irregularidades não se restringem a este ou aquele partido, e se vai consolidando a sensação de que a mais importante instância do poder Legislativo já não honra as tradições republicanas.
A tese do fechamento do Senado ganha força entre os analistas da cena política.
O senador José Sarney não parece preocupado com essa questão.
Em seu artigo desta semana na Folha de S.Paulo, que o mantém como colunista às sextas-feiras, ele emite sinais sobre o que pensa da política, dizendo não acreditar no conceito de classes sociais.
Afirma que “a democracia representativa já era”, desdenha do que venha a ser “a voz das ruas” e observa que o conflito político passou da guerra de classes para a guerra da mídia, onde o maior poder está na internet.
Para se ter uma idéia do estado de espírito do presidente do Senado, basta observar como ele encerra seu artigo: “Enquanto discutimos essas coisas, a natureza floresce e Brasília está linda, os paus d’arco em flor”.
Se não crê na “voz das ruas”, talvez Sarney devesse prestar atenção na voz de Breno Santa Cruz, que, segundo consta, o chamou de ladrão.
O foco da infecção
Alberto Dines:
– A mídia deve censurar e esconder as lamentáveis cenas que vêm ocorrendo nos últimos dias no plenário do Senado? Ou, ao contrário, deve reproduzir fielmente e destacar todos os gestos, palavras e palavrões que tomam conta da mais alta câmara legislativa do país? A falta de compostura está se tornando rotina, só tende a crescer, os analistas não descartam uma exacerbação da truculência e já contam com cenas de pugilato.
O baixo nível não serve à democracia, isso sabemos – mas ocultar a verdade agride a democracia ainda mais e nos torna mais semelhantes à Venezuela. Então, o que fazer? O certo seria a remoção cirúrgica do foco da infecção – a manutenção de José Sarney como presidente do Senado, reclamada até por senadores do PT.
Como nem o governo nem os seus aliados estão dispostos a sacrificá-lo, estamos condenados a testemunhar o crescimento de um redemoinho capaz de espalhar-se perigosamente para outras esferas do Estado.
Comprova-se a cada momento que Sarney na presidência do Senado só prejudica a governabilidade desejada pelo Executivo, mas o seu afastamento nas atuais circunstâncias poderá tornar a situação mais caótica e incontrolável.
Na medida em que a imprensa oferece um panorama irrestrito dos acontecimentos como agora acontece, a crise só tende a agravar-se. E quando um desembargador de Brasília decide submeter o Estado de S. Paulo ao regime de censura prévia, impedindo-o de publicar as revelações da Polícia Federal sobre os negócios do clã Sarney, adiciona-se à crise política um material de altíssima combustão.
Se a censura contra o Estadão não for sustentada pelo STF, a situação poderá ficar incontrolável.
Está comprovando, portanto, que a imprensa não é a geradora dos fatos perniciosos, ela é apenas os reproduz. Nestas circunstâncias só lhe cabe manter-se fiel aos seus compromissos institucionais. Que os demais poderes façam o mesmo.