Aplainando a História
Os jornais do final de semana ofereceram uma variedade de temas nos seus principais espaços de reportagem, mas nenhum deles promete uma seqüência de grande fôlego.
O endividamento do Brasil no governo Lula é abordado pelo Globo com manchete ruidosa, que o texto da reportagem não justifica.
O Estado de S.Paulo requenta material sobre a presença, na fronteira amazônica, de guerrilheiros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia, que atuam ali como traficantes de drogas e contrabandistas de armas há pelo menos dez anos.
A Folha aposta num estudo sobre como os programas sociais de transferência de renda podem desestimular o crescimento do emprego formal na zona rural do Nordeste.
Nesta segunda-feira, os jornais anunciam que, ao contrário de todas as previsões publicadas por eles mesmos durante toda a semana anterior, o governo brasileiro foi bem sucedido na tentativa de um acordo com o Irã na questão nuclear.
A Folha de S.Paulo cita o chanceler brasileiro Celso Amorim como fonte da informação, observando que uma declaração oficial seria feita nesta segunda-feira.
O Globo e o Estado de S.Paulo usam como fonte o chanceler turco, que também participou do acordo, mas de forma geral toda a imprensa, inclusive as agências internacionais e portais de publicações européias e americanas, aceita como verdadeiro o fato de que o Brasil conseguiu convencer o governo iraniano a enriquecer urânio em território da Turquia, sob supervisão internacional.
Se confirmado, trata-se de um dos acontecimentos mais relevantes deste começo de século, mas a leitura dos diários não permite uma avaliação abrangente desse acordo.
Não ocorreu às redações preparar edições especiais para o caso de a reunião ser bem sucedida.
Certamente os plantonistas de domingo não estavam autorizados a aumentar o número de páginas para dar algo a mais aos leitores.
Não deixa de instigar a curiosidade pensar como a imprensa brasileira vai analisar o acontecimento, e comparar suas edições com as publicações internacionais de maior prestígio.
Afinal, esse pode ser o episódio mais marcante da diplomacia brasileira desde o Barão do Rio Branco.
De olhos bem fechados
Alberto Dines:
– Nem uma linha impressa na grande imprensa, difícil monitorar todo o noticiário de rádio e TV mas certamente a mídia eletrônica seguiu o ditado da mídia impressa e também se omitiu. Os porteiros das redações brasileiras continuam se achando os donos da verdade, senhores absolutos da atualidade.
Na sexta-feira, a Espanha foi dramaticamente remetida ao passado quando o destemido juiz Balthazar Garzón foi suspenso das suas funções na Audiência Nacional por abrir uma investigação sobre os crimes cometidos durante a ditadura do general Francisco Franco. Não foi um desfecho inesperado, o caso arrasta-se há meses, os principais jornais do mundo acompanham os desdobramentos apaixonadamente porque Garzón é herói no Chile, na Argentina, Itália, França. Garzón não teme os torturadores, narcotraficantes e corruptos.
Não foi suspenso apenas porque contrariou a Lei de Anistia mas porque está investigando o mega-escândalo no qual está envolvida a alta direção do partido espanhol de direita, o Partido Popular. E a direita espanhola não se confina aos seus limites territoriais, tem conexões internacionais, é fortemente apoiada pela Igreja, pela Opus Dei e por suas maiores empresas multinacionais.
Ao ignorar a vasta cobertura dada por El País no sábado nossa imprensa reconhece sua incompetência. O silêncio que se seguiu à inominável injustiça praticada pelo judiciário espanhol tem algo de suspeito e cumplicidade nesta omissão. Garzón é um magistrado exemplar, sua independência não pode ser celebrada, sua coragem e desprendimento não devem ser valorizados.
Incentivar a investigação dos crimes do franquismo equivale a passar ao largo do acordo que permitiu a aprovação do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos na semana passada graças a um pacto entre governo, Igreja, mídia e o lobby dos ruralistas, verdadeira caricatura do texto original. Uma nova Guernica foi pintada na Espanha e nós estamos olhando para o outro lado.