Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

>>A volta da arapongagem
>>Alimentando crises

A volta da arapongagem

Os jornais de hoje reagem com doses desiguais de informação e cautela à revelação da revista Veja sobre a gravação de conversa entre o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, e o senador Demóstenos Torres.

O Globo compra inteiramente a tese de que agentes oficiais são os responsáveis pela escuta clandestina, ao afirmar, na primeira página, que o presidente do STF foi ‘grampeado pela Agência Brasileira de Inteligência, numa associação criminosa com a Polícia Federal’.

O jornal joga, assim, duas instituições inteiras no meio do escândalo, sem atentar para as sutilezas do caso e para outras possibilidades.

Os outros grandes jornais de circulação nacional são mais cautelosos.

Mesmo noticiando a elevação da temperatura política, com representantes da oposição voltando a levantar a bandeira do impeachment do presidente da República, a Folha de S.Paulo e o Estado de S.Paulo não apostam na hipótese de que a bisbilhotice tenha origem oficial, no comando da Abin ou da Polícia Federal.

O Estadão destaca que o crime pode ter sido cometido por agentes egressos do antigo Serviço Nacional de Informações, SNI, criado pelo regime militar.

Segundo o jornal paulista, militares da reserva que foram transferidos para o serviço secreto e que foram protagonistas de outra onda de arapongagem, há dez anos, costumam trabalhar de forma independente e não costumam  dar satisfação a ninguém.

Eles poderiam estar por trás dos fatos, com a intenção de provocar uma crise institucional.

A Folha de S.Paulo cita a possibilidade de que os grampos também tenham sido produzidos por agentes privados.

Sabe-se que pelo menos uma empresa de segurança, de origem estrangeira, tem sido contratada por empresários para atuar nos negócios, grampeando concorrentes e até candidatos a cargos importantes nas organizações.

O fato de a conversa entre o senador e o presidente do STF ter sido gravada apanas quinze dias depois da Operação Satiagraha coloca outra vez o banqueiro Daniel Dantas entre os suspeitos.

Mesmo assim, tudo ainda é especulação, e o melhor que a imprensa pode fazer é divulgar todas as possibilidades.

E não aceitar informação de origem duvidosa. 

Alimentando crises

Alberto Dines:

– A República está em polvorosa, ministros do Supremo falam em crise entre os poderes, os meios políticos estão assanhados e a mídia afia as garras. Motivo: uma reportagem de Veja onde é reproduzida a gravação de uma conversa telefônica, rápida e rotineira, entre o presidente do STF, Gilmar Mendes e o senador oposicionista, Demóstenes Torres (DEM-GO).  A importância da matéria está na revelação dos dois repórteres que a assinam onde afirmam que o grampo foi feito pela ABIN e o seu teor repassado à revista por um funcionário da mesma Agência sob a condição de se manter anônimo. A conversa entre as duas autoridades realmente ocorreu, os interlocutores a confirmam, mas a grande crise está montada em cima de apenas três linhas de informação oferecidas pelos repórteres. Traduzindo: um araponga da ABIN fez a gravação, outro a transcreveu e repassou à revista.

Não há indicação alguma de que o grampo teria sido ordenado pelo diretor da ABIN ou alguma autoridade superior. O caso é grave, mas recentemente houve outros piores e ninguém se ouriçou. O resto da reportagem compõe-se de avaliações, análises e impressões sobre um suposto ou talvez verdadeiro surto de grampos nas altas esferas do Estado. A maior parte do texto da reportagem propriamente dita refere-se à eventual briga entre o ex-Chefe da Casa Civil, José Dirceu e o atual Ministro da Justiça, Tarso Genro, aparentemente desafetos.
A denúncia foi apresentada discretamente na capa da revista, esmagada por uma  xaropada pseudo-psicológica a respeito de vinganças. Aparentemente os próprios editores não acreditaram que as informações publicadas acionariam o que no domingo à noite estava sendo classificado nos blogs como ‘crise institucional’. Como sempre acontece, a revista rodou na sexta à noite, mas antes disso os grandes jornais já recebiam o material para abrir trepidantes manchetes nas edições de sábado.