Fogo no campo
Todos os principais jornais destacam hoje as ações do Movimento dos sem Terra, que promoveu ontem uma onda de protestos e bloqueou a Ferrovia de Carajás.
Segundo a Folha de S.Paulo, foram sete horas de bloqueio.
Segundo o Globo foram cinco horas.
Já a reportagem do Estado de S.Paulo registrou que o bloqueio durou oito horas.
Os jornais não conseguem acertar seus relógios, mas são unânimes em condenar as ações do MST.
O movimento, chamado pelos organizadores de ‘abril vermelho’, lembra os doze anos do massacre de Carajás, quando dezenove agricultores sem terra foram mortos a tiros pela Polícia Militar do Pará.
Mas só o Estadão lembra o acontecimento com mais detalhes, observando que, dos 152 PMs envolvidos no massacre, foram condenados apenas um coronel e um major que comandaram a ação.
Eles recorreram de suas sentenças e aguardam o julgamento em liberdade.
O Globo e a Folha apenas citam o episódio de 17 de abril de 1996, ajudando a colocar mais terra sobre um dos mais graves episódios do interminável conflito agrário no Brasil.
Foram mais de cem ações organizadas ontem em quinze Estados e no istrito Federal, mas os jornais concentram sua atenção no bloqueio da ferrovia da Companhia Vale do Rio Doce.
A leitura das reportagens desvia da questão central – ainda o problema da reforma agrária – e induz o leitor a imaginar que os sem-terra são grupos de vândalos que vagueiam pelo Brasil destruindo o patrimônio alheio.
O Globo chega a cobrar o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, pela falta de atitude de sua pasta com relação aos protestos dos sem-terra contra a mineradora.
A resposta de Cassel coloca um ponto de reflexão sobre o tema que não está presente no noticiário, nos editoriais ou nos artigos: ‘trata-se de uma empresa privada que teve seus direitos afrontados. Tem que recorrer ao Poder Judiciário. Afinal, por que razão o governo deveria tomar partido, se as duas instituições em conflito são legais, responsabilizáveis perante a lei?’
A controvérsia poderia conduzir a uma compreensão melhor do problema se os jornais mergulhassem na questão agrária sem preconceitos.
O MST e outras organizações representam cerca de 150 mil famílias de agricultores que vivem precariamente em acampamentos à beira de estradas, aguardando uma reforma agrária que nunca vem.
Enquanto esse problerma não for atacado de verdade, abril será sempre o mês das invasões.
Democracia é pluralismo
O ministro da justiça, Tarso Genro, parece ignora que suas críticas
públicas à imprensa podem se converter em ameaça.
Certos setores do governo ainda resistem a aceitar o pluralismo nas opiniões.
Alberto Dines:
– Em Agosto do ano passado o ministro do STF, Ricardo Lewandowski, surpreendeu o país ao afirmar que a imprensa pressionou a suprema corte para aceitar as denúncias contra os acusados do mensalão. Nesta quarta feira, o ministro da Justiça, Tarso Genro também acusou a imprensa de pressionar o STF para interromper a retirada dos arrozeiros de uma reserva indígena. O ministro Lewandowski deu uma opinião pessoal fora do recinto do tribunal. É uma opinião estranha, mas é legítima. Já o Ministro Tarso Genro, porque faz parte do Executivo e estava numa solenidade pública nas dependências da Polícia Federal, permitiu que a sua crítica a respeito de uma cobertura jornalística se convertesse automaticamente em ameaça. A análise do ministro da Justiça sobre a cobertura na desocupação da Reserva Raposa Serra do Sol é equivocada. A imprensa está acompanhando o caso com enfoques diferenciados. O próprio governo está dividido, como o demonstra a manifestação do comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno, ao declarar no mesmo dia que ‘nossa política indigenista é caótica’ (O Globo, 17-04, primeira página). Certas esferas palacianas ainda não aprenderam a conviver com o pluralismo, acreditam que democracia resume-se à convocação de eleições. Errado. Democracia significa também respeitar a livre circulação de idéias.