O bafafá político
Os jornais do final de semana e a revista Época investem na apuração que vem sendo feita pela Polícia Federal sobre as atividades heterodoxas do empresário Fernando Sarney, filho do presidente do Senado Federal.
Na semana passada, Fernando foi interrogado durante seis horas e depois indiciado pela Polícia Federal por crimes de lavagem de dinheiro, tráfico de influência e formação de quadrilha.
Segundo as investigações, que incluem conversações telefônicas gravadas com autorização judicial, o negócio privado do empresário inclui a intermediação de negócios públicos, principalmente no setor de energia.
As informações reproduzidas pela imprensa dão conta de que o único dos filhos de José Sarney que não atua diretamente na política na verdade retira boa parte de seus proventos do setor público.
Além disso, há indicações de que tenha organizado o caixa 2 de campanha eleitoral de sua irmã Roseana Sarney ao governo do Maranhão em 2006.
Roseana perdeu a eleição nas urnas, mas ganhou no “tapetão”, em abril deste ano, depois que o Tribunal Superior Eleitoral cassou o mandato do vencedor, Jackson Lago, do PDT, por abuso de poder econômico.
Sabe-se agora que uma das razões que fizeram José Sarney disputar a presidência do Senado foi seu desejo de influenciar a Justiça Eleitoral no julgamento do governador eleito do Maranhão.
E desde que assumiu, em fevereiro, vive sob uma tempestade de escândalos.
A reação do presidente do Senado vinha sendo negar a veracidade das denúncias, mas o indiciamento de seu filho vem oferecer à sua “folha corrida” um enredo digno de histórias sobre mafiosos.
Agora ele ataca a imprensa.
A imprensa não costuma inventar os fatos. É certo que ela tem sido acusada de aplicar pesos e medidas diferenciados conforme o personagem do escândalo do dia, mas não foram os jornais que indiciaram Fernando Sarney.
A imprensa pode, sim, ser responsabilizada pela pobreza da agenda pública, ou pelo “bafafá político”, como se queixou em entrevista à Folha de S.Paulo o empresário Paulo Cunha, do grupo Ultra.
Mas a pobreza da agenda pública nem a imprensa quer discutir
A unanimidade nacional
Alberto Dines:
– As patéticas reclamações do senador José Sarney contra a imprensa revelam que o veterano político, a despeito do propalado passado liberal, ainda não assimilou os fundamentos do Estado democrático.
A imprensa não é uma entidade abstrata, solta no espaço. A imprensa é um serviço público que atende aos interesses dos leitores. Os leitores não se diferenciam dos cidadãos e os cidadãos são contribuintes.
Esta é uma questão crucial: ao indignar-se diante da sucessão de abusos no Congresso, a imprensa reflete apenas a fúria e a frustração do contribuinte que paga a farra dos seus representantes. A imprensa é um instrumento do sentimento popular, não adianta lixar-se ou desprezá-lo.
Se as denúncias da imprensa fossem injustas já teriam sido desqualificadas pelo judiciário. Nada foi contestado até agora, tudo parece ser verdadeiro. Inclusive a conta secreta num paraíso fiscal que o senador Sarney tentou negar. O código JS-2 revelado por Veja era uma designação interna do Banco Santos que reunia recursos de diversas pessoas para aplicá-los conjuntamente em nome do estabelecimento.
Então, a imprensa não erra? Erra, às vezes veicula denúncias infundadas, outras abusa na defesa dos seus interesses corporativos, mas ela se legitima quando defende os interesses do contribuinte e o patrimônio público. Sarney acusou o Estado de S. Paulo de liderar a cruzada contra ele, mas ignorou que o jornal onde escreve, a Folha de S. Paulo, repete religiosamente, com um sábio atraso, as mesmas acusações.
Sarney sempre imaginou que a farta distribuição de favores lhe garantiria um apoio incondicional. Não esperava converter-se em despudorada unanimidade nacional.
O jornalista Clovis Rossi equivocou-se no artigo de ontem da Folha ao cobrar do senador a utilização da sua coluna para defender-se das acusações. Sarney é matreiro: sabe perfeitamente que se escrever algo em sua defesa caracterizará um conflito de interesses e acionará sua demissão do jornal. Quem vive uma penosa situação é a “Folha”: ao invés de licenciar o colaborador imediatamente após a sua reeleição para presidir o Senado, vê-se obrigada a publicar indefinidamente suas banalidades e, como se não bastasse, conviver com a carga de suspeitas levantadas pelos leitores sobre as razões da sua complacência.