O risco do retrocesso
O Estado de S.Paulo publica, nesta segunda-feira, reportagem dando conta de que o número de homicídios aumentou 12% na capital paulista no primeiro trimestre deste ano.
Embora ainda não se possa afirmar que esses dados anunciam uma nova escalada da violência, conforme ressalva o jornal, a notícia deve ser considerada relevante porque os assassinatos voltam a preocupar após dez anos de queda ininterrupta, e o fenômeno acontece num momento em que a situação econômica não justifica os motivos sempre alegados para altos índices de problemas sociais.
Ou seja, quando o Brasil comemora o fato de ter passado com poucos arranhões pela crise financeira internacional e apresenta melhores perspectivas para os próximos anos, sai de cena uma das causas mais citadas quando se fala em problemas de segurança pública.
O mesmo Estadão abre o caderno de economia, nesta segunda, anunciando que a perspectiva para o emprego é a segunda melhor da década: a mesma década que vinha apresentando números animadores em relação à promoção social de milhões de brasileiros, tem outras boas notícias no que se refere ao cenário de oportunidades no mercado de trabalho.
O leitor atento haveria de estar se perguntando: se milhões de brasileiros deixaram a miséria nos últimos anos, se a oferta de emprego está em alta, qual seria a razão para o recrudescimento da violência na maior e mais complexa cidade do país?
A reportagem dá uma pista:vem aumentando na região metropolitana de São Paulo a presença de armas sem registro nas apreensões feitas pela polícia.
Segundo o jornalão paulista, policiais afirmam que o bando criminoso conhecido como Primeiro Comando da Capital está investindo no contrabando de armas, que acabam nas mãos de bandidos e até de cidadãos comuns.
Apenas para lembrar: em 2003, quando o governo começou a campanha do desarmamento, muitos jornalistas se colocaram contra a proibição ao porte de armas.
A revista Veja chegou a fazer campanha pelo direito de andar armado.
A proibição acabou sendo restrita. Ainda assim, a violência diminuiu durante os anos seguintes, mas basta um cochilo e as estatísticas voltam a preocupar.
Violência e corrupção
Paralelamente ao crescimento do número de homicídios, o Estado de S.Paulo registra outro indicador também preocupante: aumentou 52% o total de mortes provocadas pela polícia paulista nos dois primeiros meses deste ano.
Os números são tão expressivos que já começam a mobilizar as entidades de defesa dos direitos humanos.
A reportagem não faz referência, mas o histórico da violência policial costuma andar paralelo ao das ocorrências de homicídio em geral: quando aumentam os registros de crimes, a pressão da imprensa sobre as autoridades costuma provocar atitudes mais radicais dos agentes policiais nos confrontos ou em ocorrências mais simples, o que acaba causando mais mortes de suspeitos.
Sob pressão, os policiais ficam com o dedo mais pesado sobre o gatilho.
Mas a violência policial, que nos boletins de ocorrência aparece quase sempre sob registro de “resistência seguida de morte”, também costuma trazer um componente de desorganização e corrupção policial, conforme lembra o Estadão: quando falha a linha de comando, grupos de agentes tratam de fazer suas próprias regras.
Esse tipo de procedimento produz as safras de chacinas, que nem merecem mais destaque nos jornais de São Paulo.
Além disso, a estatísticas oficiais escondem uma realidade macabra: há relatos, não publicados pelo jornal, de que vítimas de assaltos e outros crimes são abordadas nos pátios de algumas delegacias de São Paulo, com oferta de eliminação física de suspeitos.
Desde 2002, quando uma ação desastrada da polícia paulista resultou na eliminação de líderes de facções antagônicas que dividiam o poder nos presídios, cresce a influência do chamado Primeiro Comando da Capital na criminalidade que assusta a população.
Com exceção do ano 2006, quando o crime organizado promoveu atentados na capital e em outras cidades do Estado, a imprensa nunca tratou de analisar as relações entre esse bando criminoso e a corrupção policial.
Agora que os índices de violência ameaçam promover um retrocesso de dez anos, talvez seja um bom momento para uma ampla reportagem sobre o assunto.
Afinal, em ano eleitoral todos os governantes ficam mais sensíveis.