Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

>>O caso Bateau Mouche
>>Escrevendo a História

O caso Bateau Mouche

Vinte anos de impunidade.

Fim de ano, época de balanços, e a contabilidade institucional do Brasil segue apontando a operação deficitária da Justiça.

Neste reveillon, a imprensa aponta como símbolo mais escandaloso da situação falimentar do Judiciário o caso Bateau Mouche.

Vinte anos atrás, um grupo de cidadãos resolveu assistir o espetáculo de fogos de artifício na praia de Copacabana, no Rio.

O Bateau Mouche, um barco de turismo inadequado para navegar em alto mar, enfrentou as ondas superlotado e naufragou quando se aproximava da praia.

Morreram 55 das 153 pessoas a bordo.

Durante cerca de dez anos,a imprensa acompanhou irregularmente os processos, que se arrastam na Justiça por conta da indústria de recursos e liminares.

Dos nove sócios do Bateau Mouche e da empresa Itatiaia Turismo, responsáveis pelo passeio, apenas três foram condenados e em regime semi-aberto.

Dois deles aproveitaram a liberdade e fugiram para a Europa, o que complica ainda mais o julgamento, pois os juízes exigem a presença deles para depoimentos.

Embora os bens dos acusados tenham sido bloqueados, apenas duas indenizações foram determinadas e uma foi paga, no valor irrisório de vinte mil reais, para os herdeiros de um garçom que morreu em serviço.

Mesmo assim, a conta foi para a União, condenada por omissão da Marinha, que liberou o barco para navegação e não fiscalizou sua operação de alto risco.

O valor dos bens bloqueados para garantir o ressarcimento é calculado em 40 milhões de reais, e a defesa das famílias das vítimas espera uma indenização total de 70 milhões.

Na chegada deste ano de 2009, a imprensa volta a lembrar o episódio, por conta da efeméride.

A imprensa gosta de datas redondas, mas poucos jornais se dispõem a acompanhar as histórias que se arrastam por muitos anos.

O caso Bateau Mouche ganhou manchetes também porque havia celebridades, artistas e políticos entre os passageiros.

Se não serve para acelerar os processos, pelo menos a memória dos vinte anos da tragédia pode sacudir os brios dos magistrados que agora estão encarregados do julgamento.

Quem sabe ainda veremos noticiado o fim do caso antes de se passar mais uma década.

Escrevendo a História

A imprensa informa que a Suprema Corte da Argentina ordenou aos juízes de todas as instâncias que participem do esforço nacional para levar a julgamento os representantes dos governos militares acusados de crimes de lesa-humanidade durante o período da ditadura.

O esforço deve envolver ainda os outros poderes do Estado e o Conselho da Magistratura.

Não há demonstrações de revanchismo ou de vingança na nota distribuída ontem aos jornais.

A Justiça argentina apenas quer resolver rapidamente a situação processual dos acusados em um prazo razoável.

No Chile, a presidente Michelle Bachelet decidiu patrocinar uma investigação sobre a identificação de pessoas desaparecidas durante a ditadura do general Augusto Pinochet.

Agências de notícias internacionais informam que nos últimos dias apareceram pelo menos quatro cidadãos chilenos que eram considerados desaparecidos desde o golpe militar de 1973.

Duas delas viviam na Argentina.

Segundo as estatísticas da Comissão de Verdade e Reconciliação do Chile, foram 3.195 as vítimas da ditadura, das quais 1.183 são consideradas desaparecidas.

Além disso, outros 1.500 casos ficaram fora dos números oficiais por falta de comprovação ou de convicção sobre as circunstâncias da morte ou desaparecimento.

No Chile e na Argentina, o processo de ajuste histórico entre a democracia e a ditadura segue acelerado e sem grandes problemas.

A herança dos anos de chumbo é tema de reportagens e debates abertos, através da imprensa.

Aqui no Brasil, qualquer tentativa de mexer nos arquivos da ditadura é considerada provocação, como se não fosse possível discutir civilizadamente o que foi a guerra ideológica e o que se configurou como crimes do Estado.

Enquanto alguns gozam de gordas aposentadorias por conta de controversas indenizações, muitas famílias ainda não conhecem o destino de seus entes que desapareceram.

Até mesmo o conceito de terrorismo anda causando confusão.

Ao contrário dos países vizinhos, que parecem determinados a encerrar esse capítulo grotesco da história recente, seguimos praticando o velho esporte de varrer as pendências para baixo do tapete.

Neste 2008 que se encerra completaram-se 40 anos da edição do Ato Institucional número 5, que marcou o recrudescimento do período de exceção e acirrou a repressão.

A imprensa também foi cúmplice e posteriormente vítima da ditadura.

Muitos dos mortos e desaparecidos eram jornalistas, mas os meios de comunicação preferem evitar a busca da verdade.