Lanterna na popa
Para os jornalistas e outros profissionais que acompanham com maior interesse as questões relativas ao problema do aquecimento global, a leitura diária dos principais jornais do País, especialmente daqueles dirigidos ao público em geral, precisa ser um exercício de permanente condescendência ou de constante irritação.
O noticiário sobre o aquecimento global, que se tornou mais intenso após o mês de fevereiro de 2007, com a divulgação dos resultados dos estudos da comissão criada pela ONU para discutir as questões climáticas, permanece basicamente estático, quase às vésperas do encontro internacional que deverá decidir sobre mudanças em políticas econômicas, modos de produção e comércio e comportamento.
E, salvo raras exceções, a imprensa em geral vem tratando o tema como se fosse mais uma banalidade da pauta diária.
As decisões que serão pactuadas em Copenhague em dezembro poderão afetar muitos dos temas com os quais a imprensa se preocupa prioritariamente, nestes dias que se convenciona tratar de pós-crise.
Desde a questão da exploração das reservas de petróleo do pré-sal até os planos de governo dos futuros candidatos à eleição presidencial de 2010, passando pelas exigências que serão impostas à realização da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016, e até mesmo regras comerciais globais e as negociações de “commodities” e do mercado futuro de moedas e produtos, praticamente tudo que hoje ocupa os jornalistas poderá ser diferente a partir das decisões que serão tomadas pelos líderes mundiais.
Também é possível que nada mude, e que os líderes globais continuem liderando suas nações na direção do futuro incerto desenhado pelos cientistas que estudam as mudanças climáticas e suas conseqüências.
Mesmo essa possibilidade – e talvez ela mais ainda – deveria estar ocupando os corações e as mentes dos profissionais e donos da imprensa.
Mas a imprensa parece fascinada com o passado.
Como uma lanterna na popa de uma embarcação, prefere iluminar o caminho que já foi percorrido do que clarear o que está adiante.
O estado do mundo
Existe no Brasil uma imprensa sócio-ambiental, formada basicamente por sites, blogs e newsletters na internet e um punhado de revistas que sobrevivem por mera teimosia.
As grandes empresas anunciantes não costumam apoiar a chamada imprensa alternativa; muito menos as iniciativas jornalísticas que costumam desmascarar o chamado “marketing verde”.
A maior parte das informações técnicas sobre questões climáticas e temas relacionados ao desenvolvimento sustentável circula nesses meios alternativos e nas redes sociais, através de grupos de debates freqüentados por especialistas.
Ali se encontram as principais fontes de informação que a grande imprensa poderia consultar para informar seus leitores sobre o verdadeiro estado do mundo.
No mês que se encerra, houve uma redução no número médio de reportagens dedicadas ao tema do aquecimento global na imprensa brasileira de alcance nacional.
Apenas doze ocorrências, em média, para cada grande diário, e menos de uma página por edição das revistas semanais.
Os jornais ocuparam mais espaço para a repercussão de uma frase do presidente da República sobre o papel da imprensa, na semana passada, do que para discutir os planos para a Conferência da ONU em Copenhague.
Declarações de políticos foram consideradas mais importantes, ao longo do ano, do que o destino do planeta.
Enquanto isso, desenham-se as fórmulas para o mercado internacional de carbono e define-se no Congresso Nacional, com influência dominante da bancada ruralista, a futura legislação de proteção ao patrimônio natural brasileiro.
Daqui a alguns anos essas páginas sairão dos arquivos para a análise dos historiógrafos e outros pesquisadores.
Será o registro da contribuição que a imprensa terá dado para os debates sobre o que deverá ser o século XXI para o Brasil.
Empurrado para uma posição privilegiada na linha de largada para a nova configuração das forças econômicas internacionais, o País tem a chance de demonstrar que foi capaz de encontrar a trilha do desenvolvimento e ao mesmo tempo preservar suas riquezas naturais.
Ou teremos deixado o campo livre para a transformação do cerrado e das florestas em um grande deserto.