Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Terrorismo, mentiras e jornalismo

A Espanha está coberta de sangue. Procurar os culpados é mais do que necessário, mas devemos tentar entender o porquê também.

Na quinta-feira passada, logo após os atentados nas estações de trem de Madri, o governo espanhol e a imprensa espanhola saíram acusando o grupo separatista basco ETA (Euskadi Ta Askatasuna) de ser o responsável pelos ataques. Foi óbvio para mim, desde o primeiro momento, que a organização basca nada tinha a ver com o massacre. Estava evidente que aquilo era uma retaliação de alguma organização terrorista islâmica ao apoio da Espanha aos Estados Unidos na guerra do Iraque, por razões políticas e econômicas óbvias.

Atingir unicamente civis nunca foi o objetivo do ETA, que sempre visou autoridades ou representações do governo como alvo, daí sim, sem diferenciar pessoas. Um atentado como este minaria ainda mais a vida do grupo separatista, enfraquecido com ações da polícia e do governo nos últimos anos.

Estranho é imaginar o porquê da carga contra o ETA por parte da imprensa, já que por parte do governo é mais fácil compreender. Existem motivos e fatos que colocarei a seguir.

Por parte da imprensa: existe na Espanha sentimento de união nacional, principalmente em Madri, contra o separatismo basco. Quem conhece o País Basco e Madri sabe que isso está presente nas pessoas. Mesmo que menos de um terço da população basca queira a independência, o povo de Madri não vê com bons olhos essa região.

Com isso, e influenciada por essa revolta, esse sentimento nacionalista e as informações do governo, a imprensa espanhola não questionou em momento algum a possibilidade de o ETA não ser o responsável. O principal jornal espanhol, El País, publicou ao meio-dia (horário local) de quinta edição especial com a manchete ‘Matanza de ETA em Madrid’. Não quero defender nenhuma organização, apenas a verdade, mas faltou imparcialidade na cobertura dos fatos. Os outros dois jornais de maior circulação em Madri, El Mundo e Diário ABC, seguiram o mesmo caminho.

Mais imparcialidade

Nas páginas na internet desses jornais, tal linha editorial foi seguida durante todo o dia. A imprensa mundial se manteve mais alheia à responsabilidade dos acontecimentos, sempre informando primeiro sobre o atentado, e depois que o ETA era um dos principais suspeitos.

A história só mudou no fim da tarde, quando o grupo islâmico Abu Hafs al-Masri, ligado ao grupo terrorista de Osama Bin Laden, a al-Qaida, enviou carta a um jornal britânico assumindo a autoria dos atentados. Daí em diante, os jornais tentaram mudar tudo o que já tinham dito.

Por parte do governo, dois motivos claros: o primeiro é esse sentimento de união nacional existente em Madri, que não poderia ser ignorado pelos governantes. Outro, e mais complicado e até difícil de aceitar, é que a Espanha pagou caro o apoio aos Estados Unidos na guerra no Iraque. Duro golpe para José María Aznar, primeiro-ministro espanhol, se ficar comprovado que os ataques têm relação com a guerra. Nas eleições municipais e dos ayuntamientos, em 2003, o fator guerra foi muito usado pela oposição contra o PP, partido de Aznar. Após os ataques de quinta-feira, o PSOE e a Izquierda Unida, de oposição, reforçaram a posição do governo.

Nas eleições de domingo, Aznar e o PP saíram derrotados, e o PSOE, do hoje secretário-geral, José Luís Rodrigues Zapatero, comandará o novo governo espanhol. Nas ruas já se viam, na noite de domingo, manifestações populares chamando Aznar e seu governo de mentirosos.

El País, El Mundo e Diario ABC passaram a uma posição mais distante, analisando os fatos, os suspeitos, informando o leitor com mais imparcialidade.

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Jornalista em Campinas, SP